Amor querido, amor batido

As mulheres não são já muito mais autónomas e independentes? Porque se mantêm então nestes amores violentos? Porque é que a violência no namoro acontece cada vez mais cedo?

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European Parliament / Flickr

"Escrever sobre o amor é sempre difícil, redutor, controverso, e acima de tudo é quase sempre um tentar explicar o que muitas vezes não tem explicação racional. Escrita ainda mais complicada e densa quando se fala de amor e violência. O que para mim me parece o oposto e quase que sem associação possível, pelos números de diferentes estudos realizados no que concerne a violência juvenil e violência doméstica. Mas, afinal tem alguma, ou muita, ligação. Amor para mim, seja amor de mãe, pai, namorado, amigo, é sinónimo de cuidar, apoiar, respeitar, ajudar, acarinhar, nunca sinónimo de controle, agressão, mal-estar e medo.

As relações violentas e continuadas no tempo são algo que não consigo compreender. Já reflecti, pesquisei, ouvi relatos na primeira pessoa, ouvi explicações de peritos, e mesmo assim algo parece que me escapa na cadeia de resposta.

Como se pode permanecer ao lado de alguém que agride, maltrata, humilha, ameaça, em alguns casos viola, fere violentamente e até mata? Será que a crença de que o companheira/a, esposa/marido, namorada/o vão mudar leva a que as situações de violência se perpetuem e se instale uma crença de normalidade numa relação violenta? Será que a esperança na mudança suporta tudo, e o suposto amor tudo explica? Acredito que há dependência, baixa auto-estima, falta de esperança noutra relação e noutro amor, por detrás de cada vítima do amor violento. Cada vítima tem que se sentir perdida, com um pensamento desfasado da realidade para permanecer e optar ficar com alguém que a maltrata.

Dependência e submissão

Podemos tentar compreender esta dependência e submissão, dado que a maioria das vítimas são do sexo feminino, pelo nosso passado marcadamente patriarcal e pela entrada tardia da mulher no mercado de trabalho, que originou que muitas se sentissem inferiores e dependentes da figura masculina, perpetuando, quase que culturalmente, as relações violentas. Mas, não vivemos já noutro paradigma, não evoluímos socialmente? As mulheres não são já muito mais autónomas e independentes? Porque se mantêm então nestes amores violentos? Porque é que a violência no namoro acontece cada vez mais cedo? Porque é que os jovens acham cada vez mais normal invadir a privacidade do seu parceiro e legitimam actos de violência que tentam explicar como sendo resultado de muito amor?

No dia-a-dia presencia-se e ouve-se falar de situações de agressões entre casais jovens e maduros, em locais públicos ou privados, em plena luz do dia ou na calma da noite, deixando quem vê e ouve como que estupefacto, sem reacção, apanhado de surpresa e quase que pensando o que posso eu fazer. Podemos e devemos denunciar, a violência doméstica é um crime público e todos temos o dever de denunciar quando presenciamos uma situação de violência.

Pode não ser fácil e contraria um mito que existe na sociedade que “entre marido e mulher ninguém mete a colher”, mas temos esse dever e podemos ajudar alguém a quebrar um terrível ciclo de violência. De referir que só no corrente ano já morreram 33 mulheres vítimas de um amor violento. Algo está mal, ainda se perpetua o provérbio “Amor querido. Amor batido.” em pleno século XXI.

No filme “The perks of being a wallflower” uma das passagens que me marcou foi a afirmação de que “nós aceitamos o amor que achamos merecer”, será? Querer-se-á assim tão pouco? Haverá tão baixa noção do seu valor e das suas qualidades? Devemos deixar de lado, também nas relações, o nosso sentimento português de pequenez, e querer mais e melhor.

As minhas perguntas continuam sem uma resposta concreta. Acredito que cada caso é um caso, mas continuo sem compreender. Amor é Amor.

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