Outono incerto

Semana cheia de pequenos episódios. Nenhum deles decisivo, todos compondo um quadro de incertezas.

1. O País todo viu milhares de polícias a galgarem a barreira física e psicológica da escadaria do Parlamento. Demoraram a tomar balanço pela oposição de colegas. Levaram de vencida a barreira, chegaram ao topo, pararam e cantaram A Portuguesa.

Poderiam ter derrubado as guaritas, entrado no Parlamento e assentado arraiais no Plenário. A sua contenção foi naturalmente preparada, demonstrando maturidade. Depois do pequeno passo, festejaram e dispersaram. O Ministro e o Governo, no dia imediato resolveram cobrar pela indisciplina. Exigiram demissões, criando mais um bode expiatório, desta vez o director-geral da polícia. Falta de inteligência e confissão de fraqueza. Um governo forte teria reconhecido aos polícias a sua contenção, felicitado as chefias por evitarem males maiores e estaria já a tentar resolver as causas do diferendo. O Governo actual não aprendeu com o episódio dos “secos e molhados” de há vinte e cinco anos. Ao adoptar a força, demonstrou indisfarçável fraqueza. Um governo forte e ligado ao País louvaria a inteligente contenção. Um governo fraco assusta-se e destrava a patilha de segurança. Revela-se pronto a carregar no gatilho, por medo.

2. A Grécia continua a concentrar riscos. A coligação governamental tenta evitar mais uma dose de austeridade e vê o seu apoio no Parlamento reduzir-se a uma diferença de quatro deputados. Só que a alternativa não é o centro-esquerda, é o Syriza, um novo partido da extrema-esquerda que conseguiu liquefazer o Pasok. A atitude de rebeldia tem desta vez um argumento forte: desde há vários trimestres que a Grécia tem saldo positivo no balanço primário, isto é, sem os encargos com o serviço da dívida, Se o País entender que pode resistir, exigirá uma moratória no serviço da dívida, ou até mais do que isso, um terceiro resgate em condições excepcionais, com anulação de mais dívida. Um corte de cabelo profundo. Os credores irão hesitar e amaciarão posições. O melhor será mesmo negociar com o actual governo, pensarão. Pode este filme vir a beneficiar-nos? Certamente, se deixarmos de ser o cordeiro obediente, à espera da próxima páscoa.

3. De Bruxelas, em tempo de fim de feira, as vozes são dissonantes: Olli Rehn, sempre ele, declara no Parlamento Europeu, com surpresa geral, que a austeridade foi longe de mais, devendo dar lugar ao investimento para gerar emprego e crescimento. Continuamos com frases feitas, só que desta vez a ajustarem-se ao discurso de bom senso que o Parlamento recomendou há mais de dois anos. Dois anos de “on the job training” à custa das vítimas. Mas em Portugal, pasme-se, a Troika continua atrasada no discurso e na prática. Ela sabe bem quanto custa em desemprego e perda de crescimento exigir para 2014 um défice irrealista e infeccioso. Serão os cérebros dos revisores de contas empedernidos? Nada disso, trata-se apenas de actores menores que debitam um papel e uma marcação que lhes foi encomendado. Tão crentes que são na evidência empírica e não teriam ainda dado conta de que os seus modelos resultam ao contrário do esperado? Só que não existe hierarquia mais rígida que a das missões internacionais. Se não houver contra-ordem de quem manda, o erro continuará até final. Lembrem-se, meus amigos, os funcionários podem ser responsabilizados, não lhes basta cumprir ordens. Não faltará quem proponha que respondam no Tribunal de Haia pelos males que infringem aos Povos. Desta vez o Governo (Marques Guedes) timidamente ousou criticar a bipolaridade. Parece que acordaram!

4. As Universidades recusam o diálogo com um governo que lhes corta, além dos sacrifícios passados, mais trinta milhões de euros para 2014. Meu Caro Nuno Crato, conviria olhar para a história. Se os estudantes vierem para a rua tudo se torna mais complicado. E só os professores e reitores os poderão deter. Já vivi este filme. Tudo começa de forma inocente e imprevisível e tudo acaba sem se saber como. Conviria dar mais atenção aos reitores. Eles não são sindicalistas, nem corporatistas, nem funcionários, nem pensionistas. São tudo isso e mais o poder que têm, se quiserem, sobre os jovens. Mas este é apenas o aspecto da conjuntura. Grave, grave é o mal que o governo está a infligir ao conhecimento. Sem universidades à altura, desmoralizadas, como poderemos nós aspirar ao bom uso do programa europeu “Horizonte 2020”?  E a emparelhar com a Europa do conhecimento? Deixemo-nos de miopias. As Universidades existem desde há vários séculos, a administração, os sindicatos e as pensões têm um século de existência. A Troika tem apenas dois anos.

5. As negociações para a grande coligação alemã que reunirá o CDU, o CSU e o SPD, ou seja, dois partidos democratas cristãos e o partido social democrata, ainda não foram dadas por concluídas. Vinte mesas negociais, e mais de trezentos especialistas e dirigentes políticos estão envolvidos num rendilhado de propostas onde tudo estará previsto até ao limite do possível e onde tudo será executado fielmente. Concluídos os acordos, eles serão apresentados aos partidos que os votarão com pleno conhecimento de causa, sem directórios a decidir por eles. Pouco se sabe do que se discute e os nossos colegas deputados alemães, mesmo que saibam, guardam sempre não apenas prudente silêncio, mas rigoroso sigilo. À alemã. Todos têm a noção da importância europeia destas negociações.

6. Pouco acompanho o futebol mas reconheço em Cristiano Ronaldo muito mais que um executante de génio. Ronaldo é um trabalhador incansável. Não esbanja talento, condiciona-o. Não se desgasta em vidas mediatizadas, trabalha mais que os outros, fica mais tempo no campo a afinar o remate, exercita musculação e destreza física que o leva, aos vinte e oito anos, a correr como gazela, como se tivesse dezoito. Disciplinou-se em Inglaterra com quase um ano inteiro a ganhar estofo, entrando em jogo apenas nos dez minutos finais. Sabedoria dos mestres. Associa agora outra sabedoria, a de lidar com os media e enfrentar adversários poderosos e invejosos que se comprazem em o diminuir. As suas declarações contidas, certamente preparadas, têm sido um exemplo de boa comunicação política. Vão merecer estudo.

7. Luís Capoulas conseguiu uma tremenda vitória política, técnica e económica com a aprovação da nova política agrícola comum, negociada à minúcia. Outro exemplo de imenso trabalho, enorme experiência acumulada, fino talento negocial. Capoulas não se limitou a pegar numa proposta de uma Comissão fraca e com pouco brilho. Conversou com todos, investigou o que cada um pretendia, mediu as forças em presença, aprumou as inovações, reorientada a PAC para um modelo mais equilibrado e mais verde e manobrou habilmente. Como confessou, os seus principais adversários estava no seu grupo parlamentar, o que tornava ainda mais difícil a negociação. E sobretudo conseguiu vantagens para Portugal, não apenas financeiras, mas a maior de todas, a prossecução da linha que inaugurou quando ministro de Guterres e de Sócrates, de modernizar a nossa agricultura. Um homem experiente, sabedor e cheio de bom senso é um activo precioso. Felizmente que o Governo o reconheceu.

Deputado do PS ao Parlamento Europeu
 

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