Editorial: Por lucidez ou tacticismo, Cavaco sai mais forte

Politicamente, o Presidente não só não tem nada a perder como tem, na verdade, tudo a ganhar com o pedido de fiscalização da lei das pensões.

O Presidente, Cavaco Silva, decidiu, no último dia do prazo, pedir ao Tribunal Constitucional para analisar o projecto de lei do Governo que prevê um corte de 10% nas pensões dos funcionários públicos acima dos 600 euros. Optou portanto por uma medida popular.

Politicamente, o Presidente não só não tem nada a perder como tem, na verdade, tudo a ganhar.

1. Não há consenso nacional sobre a reforma do Estado e, em particular, sobre os cortes nos pensionistas, pelo que Cavaco surge aos olhos dos portugueses como o Presidente que compreende o seu povo. Fez até uma lista tão exaustiva dos possíveis princípios cuja constitucionalidade pode estar a ser violada que ontem a oposição só conseguiu acrescentar dois.

2. Só o Governo e a troika acreditam nesta medida, pelo que Cavaco apresenta um argumento para ser visto como o Presidente que não favorece o próprio partido.

3. O controverso diploma da convergência das pensões iria, mais tarde ou mais cedo, chegar ao Tribunal Constitucional, uma vez que a oposição dissera que, se o Presidente não pedisse o crivo supremo antes de a lei entrar em vigor (fiscalização preventiva), o faria no seu primeiro dia de vida (fiscalização sucessiva). Cavaco, o Presidente que antecipa.

4. Ao pedir uma fiscalização agora, o Presidente permite que haja uma decisão rápida, uma vez que o Tribunal Constitucional tem apenas 25 dias para se pronunciar, por contraste à fiscalização sucessiva, na qual não há prazo pré-definido, podendo a análise arrastar-se por meses e ultrapassar o próprio programa de ajustamento, que termina em Junho. Cavaco, o Presidente que age.

5. Ao mesmo tempo, o Presidente simplifica, suaviza e retira pressão sobre o Tribunal Constitucional, pois é mais fácil e menos constrangedor os 13 juízes pronunciarem-se sobre um projecto que ainda não está em vigor do que sobre algo que já é lei, ou seja, sobre uma decisão de um governo legitimamente eleito. Cavaco, o Presidente que respeita o Tribunal e a Constituição.

Com este gesto apesar de tudo previsível, Cavaco recupera alguma da credibilidade perdida. Se o Tribunal Constitucional deixar passar a lei, o Presidente pode seguir o mesmo caminho e simplesmente promulgá-la. Mas também pode vetá-la. Se o Tribunal Constitucional a chumbar, Cavaco fica sem espaço de manobra. Mas sabendo que, a haver um chumbo, tal teria acontecido com ou sem a sua ajuda, Cavaco sai com um papel reforçado, independentemente de o ter feito por lucidez ou por puro tacticismo.
 
 

Sugerir correcção
Comentar