Reformados da Metro e Carris ameaçam regressar ao trabalho

Suspensão de complementos de reforma, que geram encargos anuais de 24,5 milhões de euros, afecta actualmente 5600 aposentados e pensionistas das duas empresas.

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Medida afecta de forma directa 2619 ex-trabalhadores da Carris Pedro Martinho

Os aposentados da Metro de Lisboa e da Carris que deixaram as duas empresas antes de atingirem a idade de reforma pretendem avançar com acções judiciais para serem readmitidos nos seus postos de trabalho.

 Argumentam que a suspensão dos complementos de pensão, proposta inscrita no Orçamento do Estado (OE) para 2014 e já aprovada na semana passada no Parlamento, muda por completo as condições em que aceitaram sair destas transportadoras públicas.O provedor de justiça irá recebê-los a 3 de Dezembro.

Um dos membros da comissão que representa os reformados da Metro de Lisboa, Pedro Vazão de Almeida, avançou que "há um grupo de pessoas que vai avançar para os tribunais com o objectivo de serem readmitidas", caso a medida avance. "Depois de terem sido estimuladas a deixar o emprego, foram-lhes dadas garantias que hoje se preparam para lhes retirar. Se essas garantias não tivessem sido dadas, não teriam saído" das empresas, explicou.

O pedido de readmissão terá sempre de passar por uma via judicial, mas as expectativas são altas. "É altamente provável que seja dada razão a estas pessoas, visto que foi o compromisso de pagamento dos complementos que as levou a tomar a decisão de se reformarem antecipadamente", numa altura em que as pré-reformas foram incentivadas para reduzir os custos com pessoal, acrescentou.

Estes complementos, que existem há várias décadas nas duas empresas, foram criados para que, numa situação de reforma, os trabalhadores não perdessem uma parte substancial dos seus rendimentos. E, por isso, servem para compensar o diferencial entre o último salário auferido e a pensão a que têm direito. Actualmente, 1167 aposentados da Metro de Lisboa têm direito a estas verbas, aos quais acrescem outros 2619 da Carris. A este grupo juntam-se 240 pessoas que recebem uma pensão de sobrevivência (por motivos de viuvez) da primeira empresa e mais 1619 da segunda, o que perfaz um total de 5645 beneficiários, de acordo com dados facultados pelas duas transportadoras do Estado.

Actualmente, a Metro de Lisboa e a Carris têm encargos anuais de 24,5 milhões de euros com estes complementos, com maior peso para a primeira (13,5 milhões). Mas existem responsabilidades futuras com outros 3374 trabalhadores que ainda estão no activo e teriam direito a receber estas verbas. A partir de um certo momento, as empresas acordaram com os sindicatos que só os funcionários que entrassem até determinado ano (2004 no caso da Metro) receberiam complementos.

No OE para o próximo ano, o Governo inscreveu a suspensão do pagamento destas verbas em empresas que apresentassem prejuízos durante três anos consecutivos. Uma situação que é historicamente transversal ao sector público de transportes, não só devido ao desequilíbrio natural entre receitas e custos, mas sobretudo fruto do endividamento galopante (que foi crescendo à medida que começaram a fazer obra a mandato do Estado). No entanto, apenas a Metro de Lisboa e a Carris pagam este tipo de complementos.

Os partidos da maioria apresentaram, a 15 de Novembro, uma proposta de alteração ao OE que prevê que a suspensão atinja apenas os beneficiários que tenham rendimentos superiores a 600 euros mensais e que o pagamento destas verbas seja retomado quando as empresas derem lucros durante três anos (o Governo estipulava um prazo de cinco). Foi esta a formulação final da medida, que Pedro Vazão de Almeida considera ser uma "mera alteração cosmética" por excluir apenas duas dezenas de reformados e pensionistas, que foi aprovada no Parlamento, na semana passada, com os votos a favor do PSD e do CDS e contra de toda a oposição.

Pedido de fiscalização sucessiva do OE

A comissão que representa os aposentados já tinha avisado que pretende levar este tema até às últimas consequências. E, por isso, ainda acredita que a medida poderá não passar no crivo do Tribunal Constitucional. Depois de terem enviado uma carta ao Provedor de justiça (e também ao Presidente da República e de terem sido ouvidos por diferentes grupos parlamentares) os reformados vão ser recebidos por José de Faria Costa a 3 de Dezembro.

A intenção é que seja pedida a fiscalização sucessiva do OE, já que a comissão acredita que viola princípios da Constituição, como o da confiança e da proporcionalidade, e defende que o impacto nos rendimentos dos beneficiários (que chega a cortes de 60% nos rendimentos) é grande face aos ganhos gerados.

No dia seguinte têm marcada uma acção nas empresas: vão juntar-se todos para fazer a prova de vida que a Metro de Lisboa e a Carris exigem todos os anos por esta altura para continuar a pagar os complementos. Logo em Janeiro, os aposentados que pretendem avançar para os tribunais para regressar ao posto de trabalho vão fazê-lo de forma simbólica e colectiva, não havendo ainda uma data marcada para esta iniciativa.

O PÚBLICO questionou a Metro de Lisboa e a Carris sobre a eventualidade de os reformados terem de ser readmitidos, mas as empresas não responderam. Esclareceram apenas que no caso das rescisões por mútuo acordo "não se mantém, para futuro, a atribuição de qualquer complemento". Uma situação diferente daquela que existe com os aposentados. Tal como todo o sector, as duas transportadoras têm vindo, nos últimos três anos, a fazer um esforço para reduzir os seus quadros. Uma das medidas postas em marcha pelo Governo para reequilibrar as contas, como exigido pela troika.
 

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