“Vicente Jorge Silva tem obra feita”

Várias conversas ao longo de anos entre Vicente Jorge Silva e Isabel Lucas resultaram num livro biográfico que Pacheco Pereira apresentou

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Pacheco Pereira, Isabel Lucas e Vicente Jorge Silva, em Lisboa, na apresentação do livro Enric Vives-Rubio

Pacheco Pereira nunca se deu especialmente bem com Vicente Jorge Silva (VJS) mas também nunca se deu mal.

É verdade que os dois, nas palavras de Vicente Jorge Silva, são seres “complicados” e tiveram “algumas complicações ao longo da vida”. Mas esta quarta-feira, quando o historiador apresentou na FNAC do Chiado, em Lisboa, o livro Vicente Jorge Silva – Conversas com Isabel Lucas (Temas e Debates) disse que em Portugal “há duas ou três pessoas” que podem entrar na história da imprensa portuguesa dos últimos 50 anos e Vicente Jorge Silva é uma delas (ao lado, por exemplo, de Francisco Balsemão, Marcelo Rebelo de Sousa e Emídio Rangel).

“Vicente Jorge Silva tem obra feita e nem toda a gente neste país se pode gabar de ter obra feita. Muita gente tem obra por fazer”, afirmou Pacheco Pereira, lembrando que nesta obra biográfica – que é uma longa entrevista que a jornalista Isabel Lucas fez àquele que foi um dos fundadores do PÚBLICO e o seu primeiro director e que esteve ligado também à história do Comércio do Funchal e do Expresso, além de ser cineasta e ex-deputado – também está reflectido um “cemitério de planos”, tudo aquilo em que Vicente Jorge Silva acreditou e não resultou e lhe causou frustração.

Na leitura que fez desta longa entrevista, Pacheco Pereira destacou “a experiência madeirense” de Vicente Jorge Silva que nasceu no Funchal em 1946, desembocando no que considerou ser um caso muito sui generis da história do jornalismo português: o Comércio do Funchal, publicação de que Vicente foi director. “Toda a gente coleccionava ou comprava ou assinava o Comércio do Funchal, tal como O Tempo e o Modo. O que tinha de diferente o Comércio do Funchal – e essa diferença valorizou-se com os anos – é que era único no sentido de que correspondia a uma área da esquerda radical, mas que não era sectária. [Na época ] isso praticamente não existia em lado nenhum, a não ser mesmo em vésperas do 25 de Abril de 1974”, por influência mais tardia do Maio de 1968, explicou o historiador numa sala cheia de colegas e de amigos de Vicente Jorge Silva. Quando se fizer “uma história das ideias mais geral da contemporaneidade portuguesa e do período decisivo dos anos 1960, o Comércio do Funchal terá de ter um papel importante” e essa foi a “primeira obra do autor Vicente Jorge Silva”, que se assume essencialmente como um jornalista que começou na reportagem.

Mais tarde, continuou Pacheco Pereira, Vicente Jorge Silva teve um papel fundamental no Expresso, criando na Revista um modelo diferente de jornalismo de referência, dando uma grande importância à cobertura dos acontecimentos internacionais e da cultura. “Isso molda muito a tradição dos jornais por onde Vicente Jorge Silva passou e que ele dirigiu, quer no Expresso, quer na fase inicial do PÚBLICO. Criando e formatando redacções de jornalismo diferentes das que existiam, presumo que muito complicadas de gerir”, afirmou.

“Se há coisa que eu não gostava de gerir, era uma redacção herdada de Vicente Jorge Silva, porque são todos génios, todos donos do seu próprio assunto… Numa redacção, isso é muito complicado de gerir e é, em parte, fruto do jornalismo que ele criou e que ajudou a construir. Um jornalismo que hoje não tem nenhumas condições para existir”, por causa das condições económicas.

Se bem que Vicente Jorge Silva não tivesse a pretensão de neste livro representar a sua geração, Pacheco Pereira lembrou ainda que o olhar desta geração a que pertence Vicente Jorge Silva é muito marcada pelos anos 1960 e está “muito bem retratado” nesta biografia. “É evidente que Vicente Jorge Silva é uma pessoa muito interessante”, concluiu Pacheco, que, ao ouvir um “muito obrigado” do entrevistado biografado ali ao lado, acrescentou: “Não lhe faço favor nenhum. É a pura realidade.”
 

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