PGR rejeita intenção de apelo à delação com questionário sobre violações do segredo de Justiça

Joana Marques Vidal diz que perguntas não visam a investigação de casos concretos, mas o conhecimento do fenómeno e adopção de medidas. Juízes duvidam da sua legalidade.

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Marinho Pinto foi o único a elogiar medida de Joana Marques Vidal Nuno Ferreira Santos

A Procuradoria-Geral da República (PGR) recusa a crítica de querer estar a promover a delação com um questionário que enviou a todos os advogados do país. No documento é perguntado se sabem de casos de violação do segredo de justiça e se podem revelar os autores dessa violação.

“Inexiste qualquer propósito de delação de situações concreta, mas sim, unicamente o de obter, em termos genéricos e abstractos, dados sobre aquela realidade, designadamente quanto aos momentos e trâmites críticos que potenciam a violação do segredo de justiça, como resulta da leitura atenta das questões formuladas”, esclarece a PGR numa resposta escrita enviada esta terça-feira ao PÚBLICO.

Do inquérito, que deve ser respondido até 9 de Dezembro, constam perguntas como “teve conhecimento de alguma situação de violação de segredo de justiça?” e “pode identificar o processo?”. Além disso, no questionário a PGR pergunta se pode ser identificado o número do processo em que tal ilícito ocorreu, assim como questiona que atitude teve, quem responde, perante essa situação.

O questionário motivou já as críticas de quase todos os agentes do sector judicial que consideram, nomeadamente, que este serve como apelo à denúncia. “Este questionário poderá resultar no aparecimento de delatores entre operadores da Justiça, provocando uma clima de desconfiança numa altura em que o dia-a-dia de trabalho na Justiça já é muito complicado face às enormes dificuldades que se verificam”, alertou o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), António Mouraz Lopes.

Os juízes, como o PÚBLICO avançou segunda-feira, duvidam também da legalidade de algumas das 18 questões do inquérito enviado na semana passada. “Para além de claramente se levantarem dúvidas em termos éticos, temos dúvidas sobre a legalidade de algumas das perguntas em causa”, disse ainda Mouraz Lopes. O juiz não quis, porém, para já, especificar quais as questões nem os motivos pelos quais a ASJP duvida da sua legalidade.

A PGR, por seu lado, garante que a auditoria às violações do segredo em processos referentes a 2011 e 2012, no âmbito da qual surge o questionário, “não visa a investigação de casos concretos de violação do segredo de justiça, os quais apenas podem e devem ser investigados em processos de inquérito próprios”. A auditoria foi ordenada pela procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, em Janeiro.

Questionário para apurar medidas que dificultem violação
A iniciativa, diz a PGR, pretende apenas alcançar um “conhecimento mais aprofundado do fenómeno” junto “da comunidade judiciária” no “sentido de, com conhecimento de causa, ponderar a adopção de medidas que, com melhor eficácia, permitam dificultar aquelas violações e/ou facilitar a sua posterior investigação”.

Também o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, critica o surgimento do questionário considerando mesmo que o “apelo feito pela PGR foi infeliz”. Diz que “lembra os tempos em que as pessoas eram aliciadas e premiadas por denunciarem outras” e acredita que o questionário vai "criar um grupo de delatores na Justiça”, numa “caça às bruxas”.

O bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Marinho Pinto, parece ser o único a elogiar a iniciativa. Na segunda-feira, defendeu que as investigações sobre violações do segredo de justiça devem começar pelos magistrados e elogiou o apelo da PGR para que se denuncie quem cometa esse crime. “Finalmente alguém toma uma iniciativa para pôr cobro a esta farsa em que está transformada a nossa justiça", referiu.

Para além dos advogados, o questionário chegará também aos funcionários judiciais, procuradores, juízes, agentes da Polícia Judiciária, PSP e GNR, entre outros órgãos de polícia criminal e mesmo jornalistas. Os vários profissionais da Justiça são convidados a responder ao questionário, podendo optar por não o fazer.

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