Uma década depois, o futebol curvou-se perante o génio de Messi

Argentino estreou-se precisamente há 10 anos pela equipa principal do Barcelona, no Estádio do Dragão, e desde então tem desafiado os recordes e a lógica. Aos 26 anos, já ganhou um lugar na galeria das lendas da modalidade.

Fotogaleria
Festejos do segundo golo marcado ao Córdoba, na Taça do Rei, em Dezembro de 2012 Foto: Cristina Quicler/AFP
Fotogaleria
Jogo frente ao Sevilha, a 17 de Março de 2012 Foto: Marcelo del Pozo/Reuters
Fotogaleria
Meia-final da Liga dos Campeões de 2012, frente ao Inter Milão Foto: Filippo Monteforte/AFP
Fotogaleria
Festejos do golo marcado ao Manchester United, na final da Champions de 2009 Foto: Christophe Simon/AFP
Fotogaleria
Golo frente ao Granada, na Liga, a 16 de Fevereiro de 2013 Foto: Cristina Quicler/AFP
Fotogaleria
Celebração do golo frente ao Málaga, em 22 de Janeiro de 2012 Foto: Jorge Guerrero/AFP
Fotogaleria
Com o troféu da Taça do Rei, em 2009 Foto: Lluis Gene/AFP
Fotogaleria
Tarja exibida durante o jogo com o Bayern Munique, a 1 de Maio de 2013 Foto: Quique Garcia/AFP

Casaco de fato de treino azul celeste, cabelo desalinhado pelos ombros, acne num rosto de 16 anos: “Foi muito bonito, porque havia jogadores com muita experiência, como Luis Enrique, Xavi, Márquez, e jogar ao lado deles foi muito bom”. Estávamos a 16 de Novembro de 2003 e estas foram algumas das primeiras palavras de Lionel Messi enquanto jogador da equipa principal do Barcelona. Uma década depois dessa estreia no Estádio do Dragão, num particular frente ao FC Porto, os termos da equação inverteram-se. “Gostava de ter menos dez anos para poder jogar ao lado dele”, admitiu recentemente o brasileiro Ronaldo, “O Fenómeno”, ao jornal argentino Olé.

Por estes dias, Messi anda triste. O diagnóstico é do guarda-redes Valdés, um admirador assumido das qualidades do companheiro de equipa e um profundo conhecedor da glória e das agruras do futebol. O número 10 dos catalães foi forçado a uma paragem prolongada por força da lesão contraída frente ao Betis, na 13.ª jornada da Liga espanhola, e está no estaleiro. É a 11.ª lesão da carreira, a nona de carácter muscular, a quarta no bíceps femoral esquerdo. Sim, a informação produzida sobre o Bola de Ouro chega a este ponto.

De resto, há muito que a vida do craque argentino se mede em números. Em golos, jogos, assistências. Em títulos, finais, internacionalizações. Em recordes que caem e na promessa de outros que terão o mesmo destino. E já que estamos com a mão na massa, aqui fica um brevíssimo resumo de uma década no Barcelona: 391 partidas, 323 golos, 21 troféus. Um palmarés só ao alcance dos predestinados.

“Era algo de sobrenatural”
Hoje, é fácil descarregar elogios sobre um jogador consagrado. Mas quão invulgar era o talento de Messi quando deu os primeiros passos num campo de futebol? Salvador Aparicio, então treinador do Abanderado Grandoli, um clube de bairro de Rosario, puxa a bobine atrás: “Fazia seis, sete golos por jogo. Esperava que o guarda-redes adversário batesse a bola, recebia-a de um companheiro e driblava toda a gente até à área contrária. Era algo de sobrenatural”.

E porque nunca é de mais recordar o momento em que o pequeno argentino experimentou o futebol de 11, aqui fica o relato do antigo técnico, em declarações à Part of the Game TV: “Ele costumava vir aqui com a família. [Num dia de jogo das camadas jovens] Olhei para a bancada e vi-o a pontapear uma bola e a mim faltava-me um jogador. E perguntei à mãe se mo ‘emprestava’. A princípio não queria, dizia que nunca tinha jogado. Respondi-lhe que não fazia mal, que não teria de fazer nada de especial. E a avó, que estava com eles, convenceu-a a deixá-lo jogar”.

Messi tinha, então, quatro anos. “A primeira bola que veio na direcção dele, pelo lado direito, deixou-a passar. A segunda caiu para o pé esquerdo: pegou nela, saiu em diagonal para o meio do campo e levou toda a gente. Eu gritava: ‘Remata, remata’, mas ele era muito pequeno. Desde então, nunca mais saiu da equipa”, recorda Aparicio.

Sairia apenas para mudar de ares, numa decisão que pouco teve a ver com interesse desportivo. Aos 11 anos, foi detectado a Messi um problema hormonal que lhe afectava o desenvolvimento ósseo. Como o tratamento, à base de injecções nas pernas, custava perto de 1000 euros mensais, a família primeiro socorreu-se da ajuda da empresa onde o pai do jogador trabalhava. Mas quando, ao fim de dois anos, a fonte secou, entrou em cena o Newell’s Old Boys e uma promessa de custear todas as despesas médicas.

Foi nesse contexto que chegou a um dos clubes mais emblemáticos da Argentina. Foi nesse contexto que se cruzou com treinadores como Gabriel Digerolamo e Ernesto Vecchio. “No dia em que mo trouxeram, eu disse: ‘Bem, isto é algo distinto de tudo o que podíamos supor’”, recupera o primeiro, num documentário sobre a ascensão do jovem prodígio. “Tinha uma técnica espectacular, que não se ensina a ninguém. Já se nasce assim”, acrescenta o segundo.

Dois minutos convenceram o Barça
Mas não passou muito tempo até o percurso de Messi no Newell’s ter também os dias contados. O clube deixou de cumprir os pagamentos e o pai de “Lio” levou-o a uns testes de captação no River Plate. Poucos minutos em campo bastaram para convencer os responsáveis pelo clube, mas o facto de ter uma ligação ao emblema de Rosário levou-os a recuar. A perspectiva de terem de ressarcir financeiramente o rival travou uma potencial transferência.

É então que a hipótese Europa entra nas contas. Com parentes em Lérida, na Catalunha, o pai de Messi decide tentar a sorte em Barcelona. A família aloja-se num hotel da cidade e desespera pela chegada de Carles Rexach (ausente numa viagem a Sydney), o director desportivo dos blaugrana encarregado da missão de observar e avaliar o potencial do argentino. Por esses dias, chegam a pensar voltar à América do Sul, de mãos vazias e sonhos desfeitos.

A persistência, porém, acabaria por dar frutos. Em entrevista ao El País, Rexach recorda o que lhe passou pela cabeça quando viu Messi, então com 13 anos, em acção pela primeira vez. “Já tinha visto muitos miúdos e levávamos sempre vários dias para decidir, porque há dúvidas em contratá-los tão novos. Mas quando o vi, dois minutos chegaram. Não tive dúvidas. Sentei-me no banco para desfrutar do seu futebol e no final recomendei a contratação”. “Ele ainda esteve cá 15 dias, mas sobraram 14”, diria mais tarde, com humor.

Entre a recomendação de Rexach e o contrato com o clube ainda correu alguma água debaixo da ponte. A tenra idade do jogador, o facto de ser estrangeiro e de não poder alinhar de imediato nas camadas jovens e a doença que enfrentava deixaram alguns dirigentes do Barcelona de pé atrás. O pai de Messi chegou a ver sucessivamente adiadas as promessas de formalização de um acordo e, cansado dos avanços e recuos, ameaçou regressar à Argentina.

Foi nessa altura que se deu o célebre episódio do guardanapo. Em pleno restaurante do Club Tenis Pompeia, Rexach quis provar que o interesse em Messi era real e que não havia volta a dar. Sem outro recurso à mão de semear, aproveitou um guardanapo de papel para assinar aquele que, simbolicamente, seria o primeiro contrato com “Lio” (o documento, de resto, está hoje exposto no museu do clube). Estávamos a 14 de Dezembro de 2000. O contrato oficial seria rubricado a 1 de Março de 2001.
 

Pequeno génio entre os gigantes 
De então para cá, é o que se sabe. Messi tem vencido todas as barreiras, desafiado todas as probabilidades, convencido os mais cépticos. Tem forçado comparações com Diego Maradona e recolhido aplausos em todos os estádios por onde passa. Tem feito história para e com um Barcelona que, por direito próprio, já ganhou um lugar na prateleira das melhores equipas da enciclopédia do futebol.

Pelo meio, vai coleccionando elogios e recordes. Em 2012, marcou 91 golos e superou o recorde de golos num ano que pertencia a Gerd Muller (85); a 20 de Março do mesmo ano, tornou-se o melhor marcador da história do Barcelona em jogos oficiais ao chegar aos 234 golos, depois de já se ter notabilizado como o primeiro a chegar aos 200 golos com apenas 24 anos; ainda em 2012, assumiu-se como o primeiro jogador a conquistar quatro Bolas de Ouro, ainda para mais de forma consecutiva (e está nomeado para a de 2013).

"O melhor do mundo é Messi. O segundo melhor é Messi lesionado. Nasceu para jogar futebol, é o primeiro génio do século XXI. É incomparável", avalia o compatriota Jorge Valdano, antigo director desportivo do Real Madrid, em declarações à rádio RAC 1. 

Aos 26 anos, o craque do Barcelona já conta com uma galeria de momentos inesquecíveis suficiente para produzir, pelo menos, uma ambiciosa curta-metragem. Um dos mais emblemáticos será o golo marcado ao Getafe, em 2007, uma espécie de cópia mais do que à altura do original de Diego Maradona que é considerado por muitos como o melhor da história dos Mundiais (aquela coreografia individual que parte do meio-campo e só termina na baliza, nos quartos-de-final do México 1986).

Mas há muito por onde escolher. Dos cinco golos apontados ao Bayer Leverkusen (foi o primeiro futebolista a conseguir tal proeza num jogo da Champions no actual formato), a 7 de Março de 2012, aos 24 hat-tricks que já assinou com a camisola do Barcelona, o último dos quais na primeira jornada da Liga dos Campeões desta época, frente ao Ajax. Tudo parece simples quando a bola lhe chega aos pés. Tal como parecia há 16 anos, quando era já a estrela mais reluzente da geração de ouro das camadas jovens do Newell’s.

“Lembro-me da final de um torneio em que começámos o jogo sem o Lio. Não chegava, não chegava. E terminou o primeiro tempo sem o Lio chegar. Perdíamos por 1-0”, lembra Juan Cruz Leguizamón, ex-companheiro de equipa e amigo de infância de Messi. “Viemos a saber que ele chegou tarde porque tinha ficado fechado na casa de banho, em casa, e teve de partir o vidro da porta para sair. Quando chegou, fez três golos e ganhámos o torneio”.

Sugerir correcção
Comentar