E se houver um Tea Party no Parlamento Europeu?

Nas eleições europeias de 2014, Marine Le Pen e Geert Wilders querem formar um novo grupo eurocéptico no Parlamento Europeu, para "libertar" os seus países de Bruxelas

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Marine Le Pen e Martin Wilders precisam de um mínimo de 25 deputados de um quarto dos países da UE para formar um grupo parlamentar MARTIJN BEEKMAN/AFP

Marine Le Pen e o holandês Geert Wilders oficializaram a sua aliança para as eleições europeias de Maio de 2014, abrindo portas a outros partidos dos Vinte e Oito para o que chamam o objectivo de “libertar” os respectivos países da União Europeia. Os analistas falam, em vez disso, num risco de paralisação das instituições, com o nascimento de uma espécie de Tea Party europeu.

A Frente Nacional (FN) de Marine Le Pen e o Partido da Liberdade (PVV) de Geert Wilders são as duas forças de extrema-direita, anti-imigração e eurocépticas actualmente com mais pujança na Europa, para além do Partido da Independência do Reino Unido, de Nigel Farage. Querem unir esforços para poderem formar um grupo no Parlamento Europeu, com todas as vantagens logísticas que daí advêm e com o aumento de tempo de intervenção que isso permitirá.

Mas não acreditam no projecto europeu – antes pelo contrário, querem usar as eleições europeias e os meios colocados à sua disposição pela União Europeia para a destruir por dentro. “Nós, velhas nações europeias, somos obrigadas a pedir permissão a Bruxelas para tudo”, denunciou Marine Le Pen”, no Parlamento de Haia, que visitou a convite de Wilders. “Temos de recuperar a soberania territorial, a soberania monetária, a soberania orçamental.”

Wilders, que é de extrema-direita mas é um vigoroso simpatizante de Israel, compara a União Europeia a um “Estado nazi”, relata a revista Nouvel Observateur, e marcou quarta-feira, quando ele e Le Pen lançaram a sua aliança eleitoral, como uma espécie de dia “D”: “Hoje é o início da libertação deste monstro que se chama Bruxelas”.

As sondagens são-lhes favoráveis: um estudo Ifop em França dava à FN 24% de intenções de voto, à frente do partido de centro direita UMP (22%) e dos socialistas no Governo (19%). O PVV teve maus resultados nas últimas legislativas mas, segundo o centro Maurice de Hond, citado pelo El País, pode ter 21% nas eleições europeias, à frente dos partidos no governo de coligação holandês (o VDD de centro-direita teria 12,6% e o Partido Trabalhista 11,2%).

Le Pen e Wilders lideram partidos com as suas particularidades. Por exemplo, embora Marine Le Pen tenha recusado pronunciar-se contra o casamento gay, militantes do seu partido manifestaram-se contra a lei que o torna igual ao casamento heterossexual, enquanto Wilders é completamente a favor. Wilders quer que o Corão, o livro sagrado dos muçulmanos, seja pura e simplesmente proibido na Europa. E embora Le Pen se esteja a esforçar para limpar a FN de elementos simpatizantes da ideologia nazi e anti-semitas, há militantes que perfilham essas teses - algo completamente alheio a Wilders.

UKIP de fora

Mas as pequenas diferenças não perturbam o novo par político. “Mesmo num casamento, não somos obrigados a pensar mil por cento a mesma coisa”.

O que poderá ser mais preocupante para a aliança eleitoral de extrema-direita que os dois estão a lançar é o facto de o UKIP inglês se manter à margem, por considerar a FN demasiado extremista. “Tenho muito respeito por Nigel Farrage”, garantiu Geert Wilders, citado pela AFP. “Espero que ele possa vir a juntar-se à nossa iniciativa no ano que vem”.

O UKIP de Farrage é a coluna vertebral do actual grupo eurofóbico Europa da Liberdade e Democracia no Parlamento Europeu, onde não estão presentes nem a FN de Le Pen nem o PVV de Wilders (não estão filiados em nenhum grupo parlamentar).

Para criar um grupo no Parlamento Europeu, é preciso ter 25 deputados, num total de 766, em pelo menos um quarto dos Estados-membros da União Europeia (sete). Le Pen e Wilders têm em vista por exemplo o Vlaams Belang belga, a Liga Norte italiana, a Alternativa para a Alemanha, o Partido da Liberdade austríaco, bem como os vários partidos dos países da Europa do Norte.

Excluíram dos seus planos o Jobbik húngaro (por causa das suas posições anti-judeus) e outros partidos nacionalistas eslovacos, romanos e búlgaros, acusados também de derivas racistas. Para Marine Le Len, diz o Le Monde, a criação desta aliança faz parte da sua estratéfia de "desdiabolização": "Quero virar as costas a todos os movimentos que não tenham a seriedade necessária para reflectir connosco. Quero trabalhar com partidos credíveis e de primeiro plano", cita-a o Le Monde.

Mas o discurso da Frente Nacional é demasiado extremista para os partidos nórdicos, diz ainda este diário francês. Apenas os Novos Democratas estão com ela. Os Verdadeiros Finlandeses e o Partido do Povo Dinamarquês (ambos em segundo lugar nas sondagens dos respectivos países) não vêem com bons olhos a colaboração de Wilders com a FN, sobretudo por causa das derivas negacionistas do holocausto que caracterizaram a lidrança do pai de Marine, Jean-Marie Le Pen.

Paralisia
E que potencial de perturbação pode ter o grupo de Le Pen e Wilders, se conseguirem mesmo levar os seus planos avante? Há quem realce as suas diferenças e divisões, para dizer que este projecto não chegará a bom porto. Mas há também quem, como o muito atribulado Presidente francês François Hollande, tenha sublinhado os riscos de “regressão e paralisia” das instituições europeias se os eurocépticos e nacionalistas tiverem algo que se assemelhe a uma vitória nas próximas eleições europeias. 

Jan-Werner Mueller, um investigador e professor de política na Universidade de Princeton (EUA), concorda com a análise de Hollande. Num artigo publicado no jornal britânico The Guardian, alertou para a possibilidade de os europeus estarem a ver formar-se o embrião de um movimento anti-governo que conduza a um bloqueio como o que fez parar todos os serviços públicos federais norte-americanos em Outubro.

“Tal como o Tea Party transformou o Congresso numa instituição paralisada e que se odeia a si própria, uma aliança de partidos anti-União Europeia podem fazer com que a Europa viva a sua própria versão de bloqueio, se estes conquistarem votos suficientes nas eleições europeias do ano que vêm. As elites europeias – e todos os cidadãos que se importam com o futuro da UE – deviam começar a pensar neste cenário”, escreveu Mueller.
 
 
 

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