Medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos

Esta época, entre outras coisas, traz-nos a sazonal divulgação das classificações das escolas mais conhecida pela questão dos rankings. O Ministério da Educação e Ciência (MEC) divulga os resultados escolares e alguns dados relativos às escolas, a imprensa analisa esses dados e produzem-se umas classificações “criteriosas”, com “indicadores ponderados”, utilizando “diferentes critérios”, etc., etc. É verdade que tem vindo a melhorar a abordagem aos resultados e à sua divulgação tendo em conta outras variáveis importantes para além dos resultados dos exames.

Estou a escrever estas notas sem conhecer os dados deste ano mas, provavelmente, teremos os padrões que têm sido razoavelmente estáveis. Verificar-se-á a supremacia genérica das escolas privadas face às públicas nos lugares cimeiros, que as escolas do litoral apresentam globalmente melhores indicadores que as do interior, como seria de esperar num país assimétrico e litoralizado, sendo ainda que os pólos de Lisboa, Coimbra, Porto e Braga acolhem as escolas que genericamente melhores resultados evidenciam. As escolas das regiões autónomas e do interior do país mostrarão globalmente piores indicadores e apesar das possíveis excepções atribuídas ao esforço e competência dos professores e à colaboração das famílias, será este o cenário, creio.

Parece-me claro que, para quem conhece minimamente o país educativo, estes dados são obviamente previsíveis. Embora entenda que a informação relativa aos resultados dos alunos possa e deva ser tratada e divulgada, a minha questão é “Qual o contributo significativo da organização e divulgação destes rankings para a melhoria da qualidade do sistema?”.

No meu entendimento a resposta é, “pouco relevante”, porque é possível antecipar os seus resultados sem grande margem de erro e porque não se traduzem em medidas de política educativa. A este propósito, o Professor Joaquim de Azevedo afirmava há um ano que é necessário contrariar a cultura de apoiar sobretudo as escolas com melhores resultados e encontrar formas de apoio e responsabilização para as escolas com alunos com piores resultados. Relembro, por exemplo, que o MEC definiu como critério de atribuição do crédito de horas para programas de apoio aos alunos, entre outras iniciativas, os resultados dos alunos ou seja, as melhores escolas terão mais horas para apoios e as que mais precisariam são justamente as que menos terão.

É certo que importa discriminar positivamente e incentivar o bom desempenho, mas é grave não criar dispositivos de melhoria do trabalho de alunos e professores. E tanto mais relevante o será quanto menor é a qualidade de vida social, económica e cultural das populações, comprometendo de forma inaceitável princípios de equidade. Apesar de sublinhar a fortíssima importância da análise do desempenho escolar a elaboração dos rankings serve sobretudo para alimentar uma obsessão com resultados e um equívoco sobre a promoção da excelência e do rigor.

Como afirma Gert Biesta da Universidade Stirling numa obra notável, Good Education in a Age of Measurement - Ethics, Politics, Democracy, uma obsessão centrada na medida, assenta na gestão continuada de uma dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos?" Aliás, numa entrevista ao PÚBLICO em 2011, o Professor Biesta afirmava sugestivamente, “Os rankings são muito antiquados e não devem ter lugar numa sociedade civilizada".

É reconhecido que existem escolas, privadas e públicas que recusam matrículas de alguns alunos para proteger a sua posição no ranking, como também se sabe que uma excessiva centração nos exames pode não ser o maior e melhor contributo para o sucesso como vários especialistas e a OCDE têm vindo a alertar.

A política recente do MEC é clara neste sentido, medir, medir tudo, esquecendo que os processos educativos são complexos e não cabem numa fórmula ou conjunto de fórmulas que se entendem como "infalíveis" ou "objectivas". Se assim fosse, não seriam necessários professores ou políticas educativas que solicitam escolhas, conhecimentos, metodologias, valores éticos e morais, etc., bastariam uns burocratas a papaguear aulas ("contents delivery", como já se fala do ensino em algumas paragens), outros burocratas a medir saberes e uns outros ainda a construir fórmulas de gestão num qualquer serviço centralizado.

No entanto, não tendo uma atitude fundamentalista, admito que se elaborem rankings com o maior cuidado possível mas que sobretudo se promova a análise em cada escola do seu próprio trabalho. Sendo um defensor intransigente de uma cultura e prática de exigência, avaliação e qualidade, parece-me bem mais importante o aprofundamento dos mecanismos de autonomia e responsabilização e a constituição obrigatória em todos os agrupamentos ou escolas de Observatórios de Qualidade que integrem também elementos exteriores à escola.

Existe capacidade técnica e recursos suficientes. O trabalho realizado por esses observatórios, este sim, deveria ser divulgado e discutido em cada comunidade e passível de leituras cruzadas com os resultados nacionais.

Para terminar, a questão central, mais do que ordenar escolas a partir dos resultados dos alunos e independentemente das variáveis consideradas no tratamento, é reflectir seriamente sobre o que fazer para a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem traduzida, também, em exames. Neste sentido, parecem-me preocupantes alguns caminhos que têm vindo a ser trilhados.

Um primeiro exemplo será o aumento do número de alunos por turma que, para a maioria das comunidades educativas, é claramente excessivo. Temos também uma reforma curricular e o estabelecimento de metas curriculares que, apesar da importância da definição do que deve ser aprendido, estão formuladas em moldes pouco sustentáveis e que poderão vir a ser parte do problema e não da solução, como alguns estudos em curso relativos ao 1.º ciclo, os que conheço, sugerem tal como o sugerem as apreciações de associações de professores.

Um último exemplo preocupante remete para o abaixamento dramático do número de professores inibindo dispositivos de apoio a alunos e outros docentes, obviamente necessários.

No entanto, como de costume, vamos então analisar as diversas abordagens aos resultados escolares, traduzidas nos rankings que vão ser divulgados e que, como disse, nada de surpreendente nos trarão.

O autor é professor universitário no ISPA - Instituto Universitário

Leia mais no suplemento de 48 páginas sobre os Rankings com a edição impressa deste sábado.

Especial Rankings em http://www.publico.pt/ranking-das-escolas

- Ranking do 4.º ano
- Ranking do 6.º ano
- Ranking do 9.º ano
- Ranking do secundário


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