Greve geral: duas margens, duas realidades

Em dia de greve geral, o PÚBLICO fez o trajecto Barreiro-Terreiro do Paço para perceber em que medida são afectadas as populações do distrito de Setúbal em relação às populações da margem norte.

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Barcos que fazem a ligação entre o Barreiro e Lisboa estão com horário reduzido devido à greve nos finais e início de turnos Gonçalo Santos

Nesta sexta-feira de manhã, a cidade do Barreiro foi invadida por uma mancha humana que para chegar à escola, ao local de trabalho, ao terminal dos barcos que fazem a travessia do Tejo e aos comboios que ligam a cidade a Setúbal teve de se deslocar a pé. Os autocarros azuis e vermelhos dos Transportes Colectivos do Barreiro não saíram do parque de estacionamento e as bilheteiras estavam fechadas.

Ezequiel Morgadinho, taxista, disse ao PÚBLICO estar a trabalhar mais do que o habitual, “Em dias normais chego a estar quatro horas parado, só até esta hora [10h05] já fiz 12 viagens.”

Diogo Fontes, estudante de 23 anos, chegou ao terminal ferro-fluvial do Barreiro de táxi para evitar os 20 a 30 minutos a pé que teria de fazer desde o bairro dos Casquilhos por falta do autocarro que costuma utilizar para feazer este percurso.
Além dos autocarros dos TCB, também a câmara municipal – liderada pelo comunista Carlos Humberto –, os serviços de limpeza, os jardineiros, a repartição de finanças, a Segurança Social e a biblioteca aderiram à greve convocada pelos sindicatos da função pública. À excepção do agrupamento de escolas Alfredo da Silva, todos os outros estão esta sexta-feira a funcionar a meio gás.

“A escola está aberta, mas só tivemos a primeira aula. Agora vou para casa, mas tenho de ir a pé”, contava uma aluna do 10.º ano da Escola Secundária Augusto Cabrita. “Nem sei porque é que saí hoje de casa. Agora vou andar mais 25 minutos a pé”, queixava-se outro aluno.

O tribunal e a conservatória têm as portas abertas. Já os serviços do Centro Hospitalar Barreiro, Montijo estão a trabalhar única e exclusivamente para a urgência – as consultas e cirurgias foram desmarcadas.

No terminal ferro-fluvial do Barreiro há duas realidades. Os comboios da CP que fazem a linha do Sado – que liga o concelho à Moita, Palmela, Pinhal Novo e Setúbal – estão a funcionar com normalidade. De 30 em 30 minutos uma voz feminina anuncia que “o comboio vai partir”.

Os barcos da Soflusa, que não só servem a população do Barreiro, como também dos concelhos da linha do Sado, estão na recta final da greve parcial que teve início no passado domingo, 3 de Novembro, e que afecta os passageiros que pretendem atravessar o rio Tejo entre as 7h30 e as 9h30.

“Nestes quatro anos em que estou em Portugal já vivi mais greves do que em toda a minha vida”, queixa-se Sónia Barroso, de 36 anos, que deixou o Luxemburgo e trabalha num call center da capital. “Em que é que a greve da Soflusa me está a afectar? Entro mais tarde e saio mais tarde, é isso”, comenta. 

A Soflusa pára três horas por turno, o que coincide com a hora de ponta do horário da manhã e da tarde. Os serviços mínimos asseguram as travessias do Tejo entre as 6h30 e as 7h30 e as 17h e as 18h. Até quinta-feira dia 7, o primeiro barco a ligar as duas margens no sentido Barreiro--Terreiro do Paço tinha hora marcada para as 10h40, a situação mudou ligeiramente quando a Soflusa o antecipou para as 9h30.

“Tenho faltado às aulas da manhã: se apanho o barco às 10h40, só consigo chegar à faculdade lá para o meio-dia. Hoje ainda é pior, porque tive de vir a pé e demorei uns 20 minutos”, reclama Nuno Delgado, estudante de mestrado de Engenharia Electrónica, em Lisboa.

“Eu respeito o direito à greve, mas isto assim já não dá. É tanta greve que eles acabam por perder toda a razção. Nos primeiros 30 dias do ano, seis foram de greve”, protesta o informático Fernando Fonseca, já dentro do barco, a caminho do trabalho.

Mas se chegar a Lisboa “tem dado muito transtorno”, como se queixa o segurança Jaime do Carmo, voltar a casa também não se tem revelado tarefa fácil. O primeiro barco entre o Terreiro do Paço e o Barreiro ao fim da tarde era, desde o início da greve até sexta-feira 8, às 20h25. A empresa responsável pela travessia antecipou-o agora 20 minutos.

“Já viu o que fizeram lá em Lisboa? É tanta gente, tanta gente a querer entrar no barco que até já avariaram um torniquete”, queixa-se Jaime do Carmo, segurança de um centro comercial. “Só de pensar naquela gente toda a empurrar, nem me apetece voltar para casa”, reforça.

Em dia de greve geral da função pública, quem chega vindo da margem sul à capital vive dois mundos diferentes. Enquanto a sul os autocarros estão parados e os barcos em greve parcial, em Lisboa, metro, autocarro e eléctrico circulam com normalidade.

No Terreiro do Paço, a paragem suspirou de alívio quando o eléctrico 15 chegou antes dos seis minutos indicados no painel informativo. “Hoje estamos com sorte”, desabafou alguém na fila.
 
 
 
 

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