Deixem-nos ser pais

Quando passamos por uma experiência tão magnífica como ter um ou mais filhos, temos sempre algo para partilhar, mas por favor deixem-nos ser pais à nossa própria maneira, é o que nos torna únicos

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Reuters

Eu, que sou mãe há seis anos e alguns meses, percebi que ao contrário do sábio ditado “o saber não ocupa lugar”, começo a sentir-me incomodada pelo excesso de informação sobre como sermos os melhores pais do mundo. Afinal, é suposto termos em casa os melhores filhos do mundo, certo?

Parece que, de repente, ser mãe é não poder errar ou sentir medos, tudo à nossa volta diz-nos como ser pais correctos e justos, como interpretar bebés que ainda não falam e por isso manifestam-se a chorar desalmadamente ou a fazer birras descomunais, como evitar que as crianças cresçam mal comportadas e sejam uns anjos. Temos assim toldada a visão para assumir o papel de pais perfeitos de filhos perfeitos, quando todos nós somos imperfeitos enquanto pessoas.

Quando passamos por uma experiência tão magnífica como ter um ou mais filhos, temos sempre algo para partilhar e a vontade de fazê-lo é inevitável, mas por favor deixem-nos ser pais à nossa própria maneira, é o que nos torna únicos. Sim, também li e ainda leio artigos de opinião de pediatras conceituados, pesquisei fóruns de mães à beira de um ataque de nervos e até comprei dois livros que nem funcionam como manuais de instruções. “Bésame Mucho” de Carlos González é mais um manifesto sobre a importância de criar um filho com amor e “Más maneiras de sermos bons pais” de Eduardo Sá opõe-se precisamente à ideia da perfeição. E sim, é claro que dou credibilidade à opinião dos outros pais e até partilho a minha, mas só quando a pedem, por acreditar precisamente que os pais devem ter espaço para serem pais dos seus filhos e não dos filhos dos outros.

No fundo, vejo isto como um fenómeno de globalização da maternidade em que somos orientados pelas opiniões dos outros quando nos sentimos desorientados, e assim nascem diariamente dezenas de blogues sobre o tema, alguns deles dedicados à promoção de marcas de roupas e afins. Não esqueçamos ainda os livros que prometem ensinar os bebés a adormecerem sozinhos em dez minutos e condenam os mimos. Serei a única a sentir-me invadida por este excesso?

Posso dizer, em primeira mão, que para os pais de primeira viagem os medos surgem à velocidade da luz. Começa na gravidez e nunca mais pára, entre o parto, o pós-parto, o cuidar do bebé, o crescimento saudável, o cuidar de nós, o ser mãe e pai e ainda casal. Aprendi que, para lidar com os medos, é preciso receá-los e depois confrontá-los, aprender com eles e torná-los certezas. Faz parte da nossa aprendizagem.

Ainda sou do tempo em que brincava na rua até ao chamamento para o jantar, de levar uns açoites sempre que aprontava alguma parvoíce, de passar férias no Alentejo em casa de tios. Era tão bom, podia andar à minha vontade, passava horas infindáveis a brincar, percorria os montes na escuridão da noite, duplicava a ração dos pintos sempre que a minha tia os alimentava e depois virava as costas. E no regresso a Lisboa era certinho que vinha com piolhos e lêndeas que a minha mãe retirava pacientemente com um pente fino. É certo que esta liberdade pode nunca mais regressar, pelo menos na vida citadina, mas é deste crescer sem o medo constante dos medos e dos erros que sinto falta. Falta-nos descontrair enquanto filhos e enquanto pais. Hoje, depois de bastantes cabeçadas e alguns medos ultrapassados, sei que não há bons ou maus pais.

Sei que o ideal é ficar informada até me sentir satisfeita e sem ficar cheia até ao pescoço, sei que os nossos instintos são os melhores guias, que é importante compreender antes de agir e que improvisar é o que torna a vida mais divertida e faz de nós os melhores pais do mundo, pelo menos para os nossos filhos.

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