Aumenta a insatisfação com a vida nos países mais afectados pela crise

Relatório da OCDE apela a medidas de carácter humano em países como Portugal, Grécia, Espanha e Itália.

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Enric Vives-Rubio

A explosão do número de casos de desemprego, acompanhada igualmente pela perda de rendimentos de quem trabalha, está a afectar o nível de satisfação das pessoas perante a vida, com este indicador a piorar cada vez mais entre 2007 e 2012 sobretudo nos países mais afectados pela crise, como é o caso de Portugal, alerta um relatório da OCDE.

O relatório How’s Life?, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), defende que é preciso investir mais em medidas de carácter humano que permitam melhorar os níveis de satisfação, até porque é possível perceber uma discrepância neste indicador: enquanto países como Portugal, Grécia, Espanha e Itália viram o nível de satisfação perante a vida cair significativamente, no mesmo período Alemanha, Israel, Rússia, México e Suécia conseguiram ligeiros aumentos.

Os países que têm tido situações de desemprego e de cortes salariais substanciais, e que precisaram também de ajuda financeira externa, viram a satisfação dos cidadãos cair muito. Entre 2007 e 2012 o nível de satisfação com a vida reportado pelos gregos caiu 20%, pelos espanhóis 12% e pelos italianos 10%. Para Portugal não é dada a evolução no relatório, mas a OCDE adiantou ao PÚBLICO que o nível de satisfação dos portugueses caiu 10% entre 2007 e 2012.

O relatório, que está integrado numa série de trabalhos da OCDE relacionados com a Better Life Initiative, lançada em 2011, salienta os dados do Your Better Life Index de 2012, que avaliou o bem-estar em 36 países com base em 11 indicadores. As conclusões colocaram Portugal como um dos países com a mais baixa percentagem de população com ensino secundário e um dos menos satisfeitos com a vida. Na lista geral dos 36 países e considerando os 11 indicadores, Portugal ficou-se pelo 29.º lugar. O pior resultado é mesmo no capítulo da “satisfação com a vida” onde ficou na 35.º posição - apenas melhor do que a Hungria.

Além disso, de acordo com o documento da OCDE, esta tendência de insatisfação é acompanhada na maioria dos países por uma perda de confiança generalizada no Governo e nas suas instituições. No total, menos de metade dos cidadãos inquiridos disseram confiar nos órgãos que os representam – o que reflecte o número mais baixo desde 2006. Ao mesmo tempo, diz a organização, parecem estar a surgir redes informais de solidariedade, que de forma mais pessoal ou informal tentam colmatar as falhas dos sistemas e que têm conseguido aligeirar alguns problemas sociais e financeiros.

“Este relatório é um despertar para todos nós. Relembra que o propósito central das políticas económicas deve ser melhorar a vida das pessoas. Precisamos de repensar como posicional as necessidades das pessoas no coração das decisões políticas”, afirmou o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, num comunicado, onde é também dito que os indicadores relacionados com a qualidade de vida permitem perceber “os custos humanos da crise”.

Depois, o documento refere-se também em concreto ao mundo do trabalho, dizendo que tem uma “grande influência” na perspectiva dos cidadãos em relação ao bem-estar, sublinhando que “o equilíbrio certo entre as exigências e as oportunidades” conduzem as pessoas ao comprometimento sem comprometer a sua saúde. “Na Europa, 50% das pessoas que se defrontam com má organização no trabalho e más relações laborais reportam um impacto negativo na saúde, comparativamente com apenas 15% entre as que experienciam condições favoráveis”, lê-se no relatório.

A OCDE analisou também as diferenças de género. Apesar de existir agora menos desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres, ela continua a ser uma realidade – sobretudo tendo em consideração que há cada vez mais mulheres com formação superior e com melhores resultados, o que não tem tradução directa na ocupação de cargos de liderança.

O trabalho da OCDE é conhecido poucos dias depois de um outro, da Gallup Europa, que analisou as percepções dos portugueses sobre a crise e que traçou o retrato de um povo pessimista, resiliente e sem confiança na governação. No estudo, que comparou as percepções de cidadãos portugueses, gregos, espanhóis e irlandeses sobre o impacto da crise nas suas vidas e sobre a forma como encaram o desempenho económico dos seus países, é necessária uma advertência prévia. O responsável do estudo, Robert Manchin, director da Gallup Europa, explica que há cinco anos (a análise compara dados recolhidos entre 2008 - início da crise - e 2013), os portugueses já encaravam a sua economia como estando em pior estado do que a dos seus congéneres. “Talvez seja uma questão cultural”, admite.

Quanto à evolução das condições económicas, os portugueses voltam a destacar-se pelo pessimismo. Tal como em 2008, 80% dos inquiridos no estudo da Gallup acham que só podem piorar (sendo apenas superados pelos gregos, com 90%). Comum a todos os países é o descrédito crescente na liderança política. Em Portugal, tal como em Espanha, apenas um em cada cinco inquiridos tem confiança nesta classe (na Grécia, a percentagem não vai além dos 14% e na Irlanda, 33%). Mas se em Portugal a confiança nas instituições financeiras é maior quando comparada com os pares (especialmente com a Irlanda, “onde os cidadãos não perdoam aos bancos”), é grande a percepção de que há corrupção no mundo dos negócios (89% dos inquiridos). Aqui (tal como na Grécia e em Espanha), a taxa de desemprego vem subindo desde 2008, enquanto o índice de satisfação profissional desce. Evolução preocupante “quando a motivação dos trabalhadores é um dos melhores recursos económicos que um país pode ter”, sublinha Manchin.

Notícia actualizada às 19h13 Acrescenta que nível de satisfação dos portugueses caiu 10% entre 2007 e 2012.

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