Os perigos da electricidade, street art do português Rigo 23

O trabalho do artista português Ricardo Gouveia, radicado em São Francisco, está na Trienal de Artes de Aichi, no Japão

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Um dos clichés sobre o Japão é que não se enterram os fios eléctricos por causa dos sismos. Essa é apenas uma pequena parte da explicação (o acesso aos fios aéreos é de facto mais rápido), mas a razão principal está no preço elevado que essa operação representa. Hoje, nos centros das principais cidades, a maior parte dos fios já é invisível e essa paisagem urbana emaranhada tornou-se mais rara.

O trabalho na Trienal de Artes de Aichi do artista português Rigo 23 (nascido Ricardo Gouveia em 1966, na Madeira, e actualmente radicado em São Francisco), um mural em três paredes contíguas de um prédio em Nagoya, evoca ao visitante todo esse universo, mas o fio que ele persegue é o que une passado, presente e futuro, juntando vários tempos no tempo de um só trabalho artístico.

Rigo 23, que fez a sua pintura no bairro Choja-Machi, partiu de uma fotografia que viu no Centro de Artes de Aichi, numa exposição póstuma de Shomei Tomatsu, um dos nomes principais da fotografia moderna no Japão. “Coloquei o momento presente no centro de um eixo com 61 anos relacionando o momento pós-catástrofe actual (tsunami/Fukushima) com o momento pós-catástrofe de 1952 (guerra/ocupação americana)”, explica-nos numa passagem por Lisboa.

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A fotografia de Shomei Tomatsu, tirada precisamente na baixa de Nagoya em 1952, mostra cinco electricistas a trabalharem empoleirados nas escadas. “Achei que tocava nos pontos da elegância, na maneira de lidar com o corpo, naquela determinação deles em reconstruir o país. Ao mesmo tempo, tem um certo carácter de circo e de perigo. O que se passou em Fukushima tem exactamente a ver com os perigos que estamos dispostos a correr para conseguir electricidade.”

Agora que o Japão se está a reconstruir no pós-3/11, o que é que quer fazer exactamente? “Essa capacidade de fazer no pós- guerra foi a identidade do Japão durante muito tempo. Precisa de se redefinir perante o mundo, porque já não é um motor económico da Ásia, nem sequer um motor cultural. A China e a Coreia do Sul têm esse papel.” É um momento, pensa Rigo 23, de “profundo estremecimento”.

Afinal o que é que escreve, noutra intervenção de arte pública, o artista de manga Yuichi Yokoyama? — pedimos para nos traduzirem, uma vez que a figura aponta uma direcção. “Ali”. Só? E a outra imagem? “Consigo ver a praça”. Yokoyama não tinha uma solução para o Japão, só nos queria ensinar a olhar para a cidade.

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