Chega ao fim julgamento do jovem acusado de matar o pai em nome dos irmãos

Os irmãos que estavam com H. na noite em que o pai morreu remeteram-se ao silêncio. H. também não falou. Advogado diz que não se conseguiu provar autoria do crime.

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Julgamento acontece no tribunal de Sintra Carlos Lopes

Foi um julgamento curto — duas sessões apenas, a primeira no dia 2 deste mês, a segunda no dia 9. O arguido, acusado de ter tirado a vida ao pai, remeteu-se sempre ao silêncio. Dois dos seus irmãos, um dos quais menor, recusaram-se a prestar declarações. Um terceiro, também menor, não compareceu sequer no tribunal.

H., de 21 anos, chegou acusado de homicídio qualificado — punível com pena de 12 a 25 anos de prisão. Mas, conta o advogado de defesa, o Ministério Público reconheceu, entretanto, que não conseguiu fazer prova de que, de facto, tenha sido ele a disparar naquela noite escura, quando estava acompanhado pelos irmãos. Esta quarta-feira é lida a sentença.

O caso teve alguma atenção da comunicação social. Na madrugada de 16 de Agosto de 2012, H. e os irmãos apareceram no posto da PSP em Mira-Sintra. O pai tinha bebido muito, tinha-os ameaçado com uma faca de matar porcos, durante horas a fio, tinha dito que os matava. Aos agentes, H. confessou que disparara uma caçadeira.

Alegou que depois dos gritos e das ameaças se tinha refugiado com os irmãos num barracão feito com chapas de zinco. E que o pai se montara num tractor e começara a destruir o abrigo com os filhos lá dentro.

Naquela madrugada de Agosto, depois da confissão de H., quando a polícia e os irmãos chegaram à quinta em Belas encontraram um homem morto, tombado em cima de um tractor, com 3,61 gramas de álcool por litro de sangue. H. esteve oito meses no estabelecimento prisional de Caxias. Só foi libertado depois de uma reviravolta no processo, tendo acabado por esperar em liberdade pelo julgamento.

Uma das juradas tem 21 anos

Um técnico de compras de 39 anos, uma estudante de 21, uma secretária de 48 e um empregado de armazém de 38, quatro eleitores de Sintra escolhidos por sorteio, juntaram-se aos três juízes do tribunal para decidir se H. é culpado ou inocente e, no caso de ser considerado culpado, que pena deverá cumprir. Não é um procedimento comum: em 2011, apenas 11 dos processos-crime que chegaram ao fim nos tribunais judiciais de 1.ª instância foram julgados por "tribunais de júri", como este em que cidadãos comuns assumem o papel de jurados.

Na primeira audiência, no dia 2 de Outubro, a mãe do jovem explicou o contexto da família: contou que o companheiro, pai dos filhos, a agredia havia 30 anos. Na polícia não faltam queixas a atestar.

Desde Março de 2012 que a mulher vivia noutra casa, com os quatro filhos menores, de um total de nove. H. e o irmão mais velho ficaram, a partir daí, a viver sozinhos com o pai na quinta em Belas, onde ajudavam a tratar dos animais.

Na véspera do crime, dois dos irmãos menores foram, contudo, passar uns dias com os irmãos mais velhos e com o pai. Logo no primeiro dia, o pai embriagou-se, partiu parte do recheio da casa e incendiou alguns objectos, lê-se no despacho de acusação. No dia seguinte, a história repetiu-se. Ao fim da tarde, os quatro irmãos foram para um barracão. O pai seguiu-os. “É hoje que vos mato a todos”, gritava com uma faca não mão, relata ainda o despacho.

Por volta da meia-noite, o pai avançou com o tractor. Primeiro contra uma carrinha, depois contra a puxada de electricidade — deixando o barraco às escuras. Por fim, avançou. A defesa de H. alegou que, para fugirem, os irmãos tinham de passar à frente do homem no seu tractor. Mas o juiz que começou por analisar o caso não ficou convencido, achava que não podia falar-se em “legítima defesa”, porque, alegava, se o pai dos jovens estava assim tão alcoolizado não podia representar um verdadeiro perigo. Foi esse um dos argumentos para manter H. detido.

Até que, a 22 de Março deste ano, sete meses depois de H. ter dado entrada na prisão, o relatório do Laboratório de Polícia Científica deu conta do resultado “do exame pericial”: não tinham sido detectados, no corpo ou nas roupas do acusado, quaisquer resíduos de disparos.

Nos dias que se seguiram, a defesa de H. voltou a requerer a libertação. Pediu a nulidade do despacho de pronúncia. E insistiu na tese de que, na verdade, H. não matara o pai, estava inocente — confessara, naquela madrugada de Agosto, um crime que, na verdade, não cometera. Eventualmente para proteger alguém da família... Foi libertado.

Logo na primeira sessão do julgamento, no início deste mês, “a procuradora da República, em nome do Ministério Público, anunciou que não a chocava se o arguido fosse condenado por homicídio privilegiado, cuja pena máxima é de cinco anos, apesar de ele vir acusado de homicídio qualificado”, contou ao PÚBLICO Hélder Fráguas, o advogado de defesa.

“Eu declarei que tencionava fazer a contraprova da actuação. O H. remeteu-se ao silêncio. O Ministério Público e a defesa do arguido prescindiram do respectivo depoimento, até porque se antevia que ele exercesse o direito de recusar prestar depoimento”, continua o advogado.

Na segunda sessão, no dia 9 deste mês, tiveram lugar as alegações finais. “O Ministério Público reconheceu que não tinha conseguido fazer prova da autoria do crime e pediu a absolvição do arguido”, diz Hélder Fráguas.

Nesta quarta-feira, explica ainda, a deliberação far-se-á da seguinte forma: “Primeiro, votam os jurados. Começa por votar o jurado mais novo (neste caso, a jovem de 21 anos) e depois os restantes por ordem de idades. De seguida, pronunciam-se os juízes-adjuntos, começando pelo mais novo na carreira. Só no final, a juíza-presidente declara qual é o seu voto. Se ele for absolvido, teremos um jantar para celebrar”.

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