Jornal de Angola responsabiliza cúpula do Estado português por "agressão intolerável"

“A cúpula em Portugal, Presidência da República, Assembleia da República, Governo, tribunais, tem pesadas responsabilidades no actual clima", escreve o diário, no editorial desta segunda-feira.

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José Eduardo dos Santos em Lisboa, em 2009 JOÃO CORTESÃO/AFP

O Jornal de Angola volta, nesta segunda-feira, ao tema das relações luso-angolanas e escreve que “a postura actual do Estado português representa uma verdadeira agressão” – noutra passagem classifica-a como “agressão intolerável”.

Num editorial intitulado “Adeus lusofonia”, o diário fala numa alegada “agressão mediática de Portugal” que “vem de alto a baixo, de representantes de órgãos de soberania, de políticos, deputados, magistrados, partidos políticos portugueses”.
“A cúpula em Portugal, Presidência da República, Assembleia da República, Governo, tribunais, tem pesadas responsabilidades no actual clima de agressão a Angola, que recrudesceu nas últimas semanas e atingiu níveis inaceitáveis”, diz, referindo-se à divulgação de notícias sobre investigações a dirigentes angolanos.

“Enquanto persistir a onda de deslealdade e agressão que vem de Lisboa, não são aconselháveis cimeiras. E é um rotundo erro desvalorizar a posição tomada pelo nosso chefe de Estado. Com isso estão a enganar as pessoas. Dizem cinicamente que já está tudo bem, enquanto ao mesmo tempo o Ministério Público faz mais manchetes nos jornais e são violados os entendimentos feitos com Angola”, diz o editorial, marcado pelo desagrado com fugas de informação a investigações a dirigentes angolanos em Portugal.

Na terça-feira, no discurso do estado da nação, o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, afirmou que o actual clima político entre os dois países “não aconselha à construção da parceria estratégica antes anunciada". Na reacção, de surpresa, o Governo português declarou acreditar na realização de uma cimeira com Angola a médio prazo. No mesmo dia, em Luanda, fonte da Presidência disse ao PÚBLICO que não havia informação sobre eventual nova data para uma cimeira anunciada para Fevereiro no final de uma visita a Angola, há duas semanas, do secretário de Estado da Cooperação e Negócios Estrangeiros, Luís Campos Ferreira.

Durante a cimeira ibero-americana, no Panamá, neste fim-de-semana, o Presidente português, citado pela Lusa, mostrou-se convencido de que "mal-entendidos" entre Portugal e Angola e "eventuais desinformações" vão ser ultrapassados e que os dois países vão fortalecer o seu relacionamento. Os gabinetes das presidências dos dois países estiveram em contacto após o discurso de Eduardo dos Santos e "a conversa correu bem", disse Cavaco Silva.

No último sábado, o semanário Expresso noticiou que o Ministério Público português recusou por três vezes arquivar processos relativos a Angola, a última há pouco mais de 15 dias e vai prosseguir com as investigações. Explicava também que os processos não têm prazos para acabar nem arguidos.

Caso Freeport e Sócrates
No editorial desta segunda-feira do Jornal de Angola é dito que o Ministério Público angolano está a investigar casos de corrupção e lavagem de dinheiro que envolvem portugueses e estabelece um contraste com o que considera que acontece com angolanos em Portugal. “Nunca os procuradores responsáveis por esses processos deram aos jornalistas angolanos informações que lhes permitissem fazer manchetes, assassinando na praça pública cidadãos que gozam da presunção de inocência e só podem ser julgados nos tribunais. Não somos melhores que ninguém. Mas também não somos os piores do mundo, como dizem diariamente elites portuguesas ignorantes e corruptas.”

O diário estatal invoca o caso Freeport e a investigação ao ex-primeiro-ministro português José Sócrates – o Ministério Público “andou a julgá-lo na praça pública, com manchetes e notícias falsas. Depois o processo foi arquivado sem que alguma vez tivesse sido acusado, nem constituído arguido” – para dizer que se quer agora “fazer o mesmo a cidadãos angolanos e todos os titulares dos órgãos de soberania de Portugal consentem isso”.

“Usando os impérios mediáticos que sobreviveram aos diamantes de sangue de Jonas Savimbi, os procuradores vão julgando honrados cidadãos angolanos na praça pública”, escreve também o jornal, que acrescenta: “Assim, de nada serve a separação de poderes.”

O momento das relações bilaterais terá, no entender do jornal, reflexos na economia e também na lusofonia. “Portugal já não está nas grandes obras públicas no nosso país. Não está no petróleo. Não está na transferência de tecnologias. Aí estão a China e o Brasil. Portugal parece estar apenas reduzido à chantagem e à falta de respeito. Está tudo mal e a CPLP é altamente prejudicada com isso. Assim, estão a dizer adeus à lusofonia.”

O pretexto para o novo artigo do diário angolano é uma visita que o secretário executivo da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), Murade Murargy, está a fazer a Luanda. “Só Portugal diverge perigosamente” dos esforços para consolidar a organização, escreve o Jornal de Angola.

O editorialista – o texto não é assinado – manifesta logo no início o desagrado angolano pelo termo “lusofonia” que, “não havendo melhor, foi aceite como plataforma de suporte à comunidade”. “Faz lembrar a ‘francofonia’, um instrumento fundamental para perpertuar os interesses de França nas suas antigas colónias.”

A CPLP é, no entanto, considerada  pelo jornal muito importante, porque “permitiu congregar afectos, boas vontades e políticas capazes de cimentar os laços entre todos os que falam a língua de Agostinho Neto, José Craveirinha, Eugénio Tavares, Alda do Espírito Santo ou Camões”.
 
 
 

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