ONU: ataques com drones matam mais civis do que dizem os EUA

Relatório da ONU apela aos vários países que cheguem a um acordo sobre a divulgação de números oficiais e que ponham fim "à falta de transparência quase intransponível".

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As Nações Unidas apelam a Washington que "divulgue os seus próprios dados sobre o número de baixas civis" Khaled Abdullah/Reuters

O número de civis mortos em ataques com drones norte-americanos é muito mais elevado do que as estimativas oficiais e deverá ser muito superior à realidade, devido à "falta de transparência quase intransponível", acusa um relatório das Nações Unidas.

O relatório, assinado pelo relator especial da ONU para a promoção dos direitos humanos na luta contra o terrorismo, Ben Emmerson, apresenta números semelhantes aos já avançados por organizações não-governamentais e universidades norte-americanas, mas é o primeiro documento das Nações Unidas a incluir estimativas detalhadas de mortes de civis nos vários países e regiões em que os EUA, o Reino Unido e Israel usam drones com o objectivo de matar elementos que definem como combatentes inimigos.

O relator especial da ONU reuniu-se em Março com representantes do Ministério dos Negócios Estrangeiros paquistanês e teve acesso às estimativas oficiais das autoridades locais. Nos últimos nove anos, foram mortas pelo menos 2200 pessoas em ataques com drones e 600 ficaram feridas com gravidade.

Daquilo que foi possível perceber junto do Governo do Paquistão, pelo menos 400 civis e outras 200 pessoas "provavelmente não-combatentes" foram mortos desde 2004 nas Áreas Tribais de Administração Federal do Paquistão, na fronteira com o Afeganistão, mas os números podem ser muito superiores.

"As autoridades [paquistanesas] salientaram que os esforços para identificar o número exacto de vítimas mortais (e, portanto, para estabelecer um número exacto de civis mortos) são prejudicados por questões de segurança e por obstáculos topográficos e institucionais às investigações no terreno por agentes ao serviço das Áreas Tribais de Administração Federal do Paquistão, e também pela tradição das tribos pashtun de enterrarem os seus mortos o mais rapidamente possível", salientam os autores do relatório.

CIA responsável por "falta de transparência quase intransponível"
Mas o principal obstáculo, de acordo com a ONU, é mesmo a falta de transparência. "Nos Estados Unidos, o envolvimento da CIA em operações letais de contra-terrorismo no Paquistão e no Iémen criou um obstáculo quase intransponível para a transparência. Isto acontece porque, tal como todos os serviços secretos, [a CIA] não confirma nem desmente a realização das suas operações", lê-se no documento, avançado em primeira mão pela NBC News.

"Tal como a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos [a sul-africana Navi Pillay] salientou perante o Conselho de Segurança no dia 18 de Agosto de 2013, a actual falta de transparência dá origem a um vazio de responsabilidade e prejudica a capacidade das vítimas de obterem compensações", salienta o relator especial da ONU.

De acordo com os números da Missão de Assistência da ONU no Afeganistão (UNAMA), pelo menos 16 civis foram mortos e cinco ficaram feridos em 2012 em ataques com drones em território afegão. Nos primeiros meses de 2013, a UNAMA estima que foram mortos 15 civis, em sete ataques.

"A UNAMA admite que estes números podem ser superiores, mas estima que os ataques com veículos aéreos não-tripulados têm infligido menos baixas civis nos últimos anos do que os ataques com outras plataformas aéreas", avança o relatório das Nações Unidas.

ONU não aceita argumentos sobre segurança nacional
O relator especial das Nações Unidas "não aceita que as considerações sobre segurança nacional justifiquem a sonegação de dados estatísticos" sobre a morte de civis e lembra que o director da CIA, John Brennan, tem "apelado publicamente à divulgação de informação sobre baixas civis em nome da transparência".

Em Junho de 2011, John Brennan – então principal conselheiro do Presidente dos EUA para as acções de contra-terrorismo –, afirmou que os ataques com drones não tinham provocado "uma única morte colateral" (civis mortos) no ano anterior, devido à "precisão excepcional" dos ataques. Três semanas depois, o Bureau of Investigative Journalism (um grupo de media sem fins lucrativos, com sede em Londres) desmentia o responsável norte-americano, após uma investigação sobre 116 ataques com drones no Paquistão entre Setembro de 2010 e Junho de 2011. Segundo os números desta organização, pelo menos 45 civis foram mortos nesse período, entre os quais seis crianças.

O relator especial da ONU considera "urgente e imperativo que os países cheguem a acordo sobre este assunto", em particular os Estados Unidos, que devem "clarificar a sua posição sobre as questões legais e factuais aqui levantadas".

Ben Emmerson pede ao Governo norte-americano que "desclassifique, até à medida do possível, informação relevante sobre as suas operações de contra-terrorismo letais realizadas em outros países" e que "divulgue os seus próprios dados sobre o número de baixas civis provocado pelo uso de veículos aéreos controlados à distância, juntamente com informação sobre a metodologia utilizada".

O relatório recorda que os ataques que provoquem vítimas civis devem ser investigados pelos Estados que os lançaram e que o resultados desses inquéritos devem ser revelados publicamente.

Em todo o caso, salienta o documento, o uso de drones em conflitos armados pode "reduzir o risco de vítimas civis", desde que sejam usados "em estrito cumprimento dos princípios das leis internacionais".

Numa reacção ao relatório das Nações Unidas, a porta-voz da Casa Branca, Laura Magnuson, disse apenas que tinha conhecimento da sua existência e que a Administração Obama está a fazer uma "avaliação cuidada".

A responsável lembrou a posição pública do Presidente Barack Obama sobre o uso de drones em conflitos armados. "Tal como o Presidente já salientou, o uso de força letal, incluindo a exercida por veículos aéreos comandados à distância, exige o nível mais elevado de atenção e cuidado. Antes de lançarmos qualquer ataque de contra-terrorismo, devemos ter quase a certeza absoluta de que nenhum civil será morto ou ferido – é esse o padrão mais elevado que podemos estabelecer."

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