Os olhos também comem

Parte de estar entusiasmado com a Playstation 4 advém de se poder ver outros jogadores a jogar em tempo real, pessoas que podem estar em qualquer lado, a jogar qualquer coisa

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Joguei muito pouco “Skyrim”, mas ouvi muita gente a falar sobre as suas aventuras neste capítulo de “The Elder Scrolls”. E vi imensos vídeos de gente a jogar. Ao longo do último ano acompanhei alguns dos meus almoços com vídeos de quase todos os cenários de “X-Com Enemy Unknown”. Os mais ou menos trinta minutos de cada um pareciam-me perfeitos para a ocasião. Contudo é-me difícil ter prazer em ver vídeos de malta a competir nas mais diversas competições que agora existem. Actualmente é algo que está em expansão, para alguns tem a mesma dimensão que o futebol tem para a maioria de nós, mas o simulacro da transmissão de um desporto a sério não me atrai. Mas gosto de ver gente a jogar, sem compromisso, alguns jogos.

Há mundos e narrativas que permitem isso. Os jogos que oferecem um mundo para explorar permitem a cada jogador criar a sua própria narrativa e, assim, potenciar uma experiência ou uma realidade dentro do jogo que será diferente da minha. Não vejo para descobrir, para aprender, mas porque sempre me deu gozo a forma como cada um explora de forma diferente o jogo que gosto – ou gostaria, se tivesse mais tempo – de jogar.

Actualmente adoro falar do que faço em “Grand Theft Auto V” (“GTA V”). Tenho a estranha sensação de que os meus amigos também gostam de me ouvir a falar disso. É como se estivesse a contar uma qualquer experiência da minha vida, só que dentro de um videojogo. Também adoro ouvir relatos de outros e, acima de tudo, ouvir a forma como interpretam certos momentos, como a mesma missão que eu já fiz é vivida de uma forma completamente diferente por outra pessoa. E não é, exclusivamente, porque “GTA V” (e os restantes jogos da série) permite isso ou é fundado nessa base, mas sim porque à medida que a tecnologia evolui e que acumulamos mais experiência de vida e de jogo, aqueles mundos parecem a concretização de um acumular de expectativas nossas. E o que o jogo nos dá - e que damos a ele - cria uma sensação de que merece ser partilhado. Melhor do que isso é sentirmos que, realmente, alguém nos quer ouvir. E que queremos ouvir. É quase como estar numa relação, sem aquele frete do final do dia em que temos de ouvir e falar do nosso dia. Sobre “GTA V” há permissão para se falar quando se quiser.

E uma vez que actualmente jogamos quase sempre sozinhos, sem ninguém a ver, existe aquela necessidade quase infantil de contar o que se passa. E como experienciamos individualmente, temos a oportunidade de contar a nossa própria história, inventar a narrativa que mais nos convém para aquilo que experienciámos. É voltar a ser criança de um modo estranho, potenciar um lado da imaginação que às vezes julgamos que perdemos no nosso quotidiano. Parte de estar entusiasmado com a Playstation 4 advém de se poder ver outros jogadores a jogar em tempo real, pessoas que podem estar em qualquer lado, a jogar qualquer coisa. É uma espécie de ver televisão sem compromisso em que, de repente, podemos entrar dentro daquele jogo se quisermos.

Quando Shuyei Yoshida mostrou isso a acontecer no Verão passado nem queria acreditar. De repente o zapping voltou a fazer sentido para mim, com um comando que me deixa realmente interagir a partir do meu sofá. E não me senti velho por não perceber uma espécie de “inovação”, mas em sintonia com o universo dos videojogos, por potenciar algo em que sempre acreditei: as consolas não são o media center da nossa sala de estar, são um veiculo para potenciar a dimensão em que vivemos e aquilo que entendemos como entretenimento.

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