Nasceram com malformações por causa da talidomida e agora pedem 204 milhões em Espanha

Ao todo estima-se que medicamento que causou malformações tenha afectado 50 mil crianças em todo o mundo, 3000 das quais em Espanha. Processo chega nesta segunda-feira à justiça.

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Estátua lembrando sobreviventes e mortos da acção da talidomida que gerou discórdia entre afectados Henning Kaiser/AFP

Foram mais de três mil as crianças afectadas em Espanha pelos efeitos secundários do medicamento talidomida tomado pelas mães durante a gravidez na década de 1960. Das 300 pessoas que ainda estão vivas, 186 chegam à justiça espanhola, esta segunda-feira, com um processo em que pedem uma indemnização de 204 milhões de euros ao fabricante.

Se o tribunal der razão à acusação, cada pessoa ganhará com cerca de 20 mil euros, adianta o El País, que diz que o principal argumento está nas deficiências permanentes com que as 186 pessoas ficaram.

A talidomida foi um dos fármacos que ficou mais conhecido, a nível mundial, pela polémica em que se viu envolvido: patenteado na Alemanha pela Grünenthal em 1955 como um tranquilizante era, contudo, também recomendado às grávidas para evitar os enjoos. O problema revelou-se mais tarde quando muitos dos bebés nasciam com graves deficiências, nomeadamente sem alguns membros ou parte deles.

Ainda ao El País, Rafael Basterrechea, da Associação de Vítimas da Talidomida de Espanha (Avite) e um dos queixosos em tribunal, exemplificou que aos 48 anos tem “os braços mais curtos que o normal”, não consegue dobrá-los, tem glaucoma, problemas de pâncreas e o canal auditivo estreito – tudo problemas que foram sendo associados ao medicamento. “O fabricante é um império que factura 5000 milhões. O seu presidente come com Angela Merkel, na Alemanha já deu 500 milhões de ajuda e a nós nada”, acrescentou.

Documentos comprovam causa-efeito
Segundo Basterrechea o medicamento só afecta o desenvolvimento durante a gravidez entre os dias 14 e 50, pelo que as mulheres que o começaram a tomar mais tarde tiveram crianças saudáveis, dando mesmo como exemplo a sua irmã mais velha que nasceu sem problemas. Ao todo, nas contas da associação, nasceram pelo menos 50.000 crianças com malformações associadas à talidomida. Cerca de 10 a 15 mil ainda estarão vivas.

Sobre a demora do processo, o representante da Avite disse que levaram muito tempo a conseguir reunir documentação necessária para apresentar em tribunal: documentos que comprovem a relação de causa-efeito entre o fármaco e as doenças. Agora já têm um parecer do Centro de Investigação em Anomalias Congénitas do Instituto de Saúde Carlos II, à qual se junta o reconhecimento da situação em 2010, por parte do anterior presidente do Governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, mas só para os nascidos entre 1960 e 1965.

Foi apenas há um ano, em Setembro de 2012, mais de 50 anos depois das terríveis consequências da talidomida, que a farmacêutica fez o seu primeiro pedido de desculpas. Tudo se passou nos anos 1950, e só depois de um médico australiano ter relatado um número anormal de bebés a nascer sem braços ou pernas, notando que todas as mães tinham tomado este medicamento, é que a talidomida foi retirada do mercado, em 1961.

Em 2012, a farmacêutica alemã fez o seu primeiro pedido de desculpas aos sobreviventes ao seu medicamento, numa cerimónia em que a Grünenthal mostrou uma estátua de bronze de uma criança sem membros na cidade-sede da companhia, Stolberg.

Contudo, a acção não agradou aos grupos de sobreviventes que entenderam que o laboratório só reagiu devido a alguns processos recentes pedindo à empresa compensações para os sobreviventes, como em Espanha. Há também casos judiciais a decorrer nos Estados Unidos, Canadá e Austrália.

A talidomida foi mais tarde usada para o tratamento de doenças como o VIH/sida e, mais recentemente, para alguns tipos de cancro.

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