O assalto aos recursos naturais

Há estimativas que indicam que desde o ano 2000 foram vendidos cerca de 50 milhões de hectares a governos e empresas estrangeiras.

Numa recente viagem que fiz a África, um continente que me fascina pela beleza natural e pelo encanto das suas gentes, fui confrontada com uma situação que, não sendo novidade, me acabou por surpreender por se revelar bem mais grave do que eu poderia imaginar. No continente africano, e em parte também na América do sul e na Ásia, está em curso um verdadeiro assalto aos recursos naturais.

Não constitui surpresa para ninguém a pressão que existe hoje sobre os recursos naturais da Terra, em especial sobre a água, os alimentos e o solo, situação que tenderá a agravar-se com a evolução demográfica, cujos cenários apontam, entre outras coisas, para uma duplicação da demanda alimentar em 2050. A necessidade de afectar mais solo ao uso agrícola (uso que já representa cerca de 40% de toda a superfície do planeta), entrará em inevitável conflito com outros usos, tais como a conservação das áreas protegidas, as florestas tropicais ou as florestas geridas para a produção sustentável de matéria-prima.

Mas outras áreas e outros usos entram em conflito, entre muitas coisas porque aí se exploram outros recursos, como o carvão, o petróleo, e todo um amplo conjunto de minerais relevantes para a agenda de desenvolvimento, deixando-se para já de fora da exploração humana alguns territórios, como o Ártico, a Antártida e a generalidade das regiões desérticas ou semi-desérticas, uma vez que não garantem condições  de produtividade.

O que me deixou surpreendida foi a dimensão de uma realidade cuja gravidade desconhecia, e que tem em África todas as condições para prosperar, se tivermos em conta a abundância de recursos deste continente quase inexplorado, e uma certa fragilidade na organização política e social, condição que confere uma receptividade particular à oferta exterior por parte dos poderes instituídos. Esta fragilidade estará a ser aproveitada para negócios que podem conduzir a uma violenta degradação dos recursos deste continente, sem garantir a devida compensação aos povos que aqui habitam, e a quem estes recursos verdadeiramente pertencem.

Ao longo da última década, alguns governos, grandes empresas e organizações com grande poder económico, sediadas em países como a China, a Arábia Saudita, a Alemanha, o Reino Unido, e outros estão a comprar grandes extensões de terra em diversas regiões do mundo, destacando-se África, Ásia e América do Sul. O objectivo é a extracção dos recursos minerais e também o uso agrícola e florestal. Há estimativas que indicam que desde o ano 2000 foram vendidos cerca de 50 milhões de hectares a governos e empresas estrangeiras.

Este assalto aos recursos naturais por parte de alguns países que dominam o mundo e controlam a economia global, revela a face perversa da lógica de desenvolvimento dominante, em que é possível a alguns países comprometerem o potencial de desenvolvimento de países mais pobres, tantas vezes sem qualquer preocupação de bem-estar para com os povos que aí residem. Se as colonizações decorrentes das descobertas marítimas dos portugueses e das conquistas europeias provocaram uma séria delapidação de recursos nos continentes e países então colonizados, o assalto em curso é de uma brutalidade cega e surda, mas tragicamente devastadora.    

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