Parlamento Europeu recua nas restrições à indústria do tabaco

Os cigarros aromatizados – com sabor a frutos ou canela – serão proibidos, mas os mentolados poderão continuar a existir durante 8 anos.

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"Fumar mata" é uma das frases que se tornou habitual nas embalagens de cigarros Pedro Cunha

O Parlamento Europeu (PE) assumiu esta terça-feira uma posição sobre uma série de novas restrições à industria do tabaco embora diluindo algumas das disposições mais restritivas destinadas sobretudo a combater o consumo entre os jovens.

Numa muito esperada votação que foi precedida durante vários meses de uma das maiores operações de lobby de sempre por parte da indústria do tabaco, os eurodeputados decidiram reduzir a dimensão dos alertas de saúde que terão de figurar nos maços de cigarros face à proposta original da Comissão Europeia.

Em vez de cobrir 75% da frente e do verso das embalagens, como era defendido por Bruxelas e apoiado pela comissão parlamentar do ambiente e saúde, os eurodeputados optaram por uma superfície de 65%. Actualmente, os alertas para os riscos do tabaco têm de ocupar 30% da frente dos maços de cigarros e 40% das costas.

A futura dimensão mínima dos anúncios, que segundo a proposta da Comissão deveria ser de 64 milímetros de altura e 55 milímetros de largura, foi igualmente reduzida pelo PE para 50 e 52 milímetros, respectivamente.

Os maços com menos de 20 cigarros serão proibidos, mas os cigarros ultra finos serão autorizados, quando Bruxelas e a comissão do ambiente propunham a sua proibição pura e simples.

Finalmente, os cigarros aromatizados – com sabor a frutos ou canela – serão proibidos, mas os mentolados poderão continuar a existir durante 8 anos para permitir à indústria adaptar-se.

Num dos aspectos mais polémicos da proposta, o estatuto dos cigarros eletrónicos, que a Comissão Europeia queria classificar como medicamentos com venda exclusiva em farmácias – o que os submeteria a testes médicos obrigatórios – o PE assumiu a posição pedida pela indústria, o que significa que estes produtos poderão continuar a ser vendidos em tabacarias e outras lojas especializadas. Este cigarros, cuja composição é por enquanto largamente desconhecida, não poderão conter mais de 30 mg de nicotina nem ser vendidos a menores de 18 anos. Os produtores terão por outro lado de fornecer a lista de todos os seus ingredientes às autoridades competentes.

"Prevaleceu o bom senso na decisão do PE de modo a permitir que os e-cigarros sejam comercializados em pé de igualdade com os produtos do tabaco normais. Não teria sido lógico privar os clientes do acesso aos novos produtos electrónicos que têm dado provas de sucesso na desabituação das pessoas dos efeitos nocivos do tabaco", considerou Frédérique Ries, eurodeputada liberal belga.

Ao invés, os deputados verdes, que se bateram pela introdução de regras o mais restritivas possível, insurgiram-se contra os resultados da votação.

"É um dia vergonhoso para o PE, porque uma maioria de centro direita, liderada pelo PPE [o grupo parlamentar conservador, o maior da Assembleia] fez o que a indústria do tabaco pedia e votou regras mais brandas totalmente contrárias aos interesses dos cidadãos e à saúde pública", criticou Carl Schlyter, responsável pela questão no grupo dos Verdes. "É escandaloso que o centro-direita nesta câmara parece mais preocupado com os lucros da indústria do tabaco do que com a saúde dos cidadãos da UE", vincou.

Luís Paulo Alves, eurodeputado socialista português, congratulou-se por seu lado com a decisão do PE de reduzir a dimensão dos alertas sobre os riscos do tabaco para a saúde dos consumidores que terão de figurar nos maços de cigarros. Segundo afirmou, a superfície de 75% dos maços inicialmente prevista e as dimensões de 64 e 55 milímetros dos respectivos anúncios colocava "em risco a produção das duas fábricas de tabaco dos Açores" que "empregam directamente 133 trabalhadores". As novas dimensões aprovadas pelo PE permitem pelo contrário evitar uma "discriminação do tabaco açoriano, injusta e injustificada por nada ter a ver com razões de saúde", afirmou.

A nova posição do PE permitir-lhe-à iniciar negociações com o Conselho de Ministros dos 28 países membros da União Europeia (UE) para a conclusão de um texto de compromisso que se tornará lei em todo o espaço comunitário 18 meses depois da sua aprovação final pelas duas instituições.

A nova legislação destina-se a eliminar tanto quanto possível a atractividade do consumo de tabaco sobretudo entre os jovens, considerados mais sensíveis aos aspectos encarados como mais glamour, como os aromas ou os cigarros ultra finos.

De acordo com a Comissão Europeia, 70% dos fumadores começam a fumar antes dos 18 anos. Segundo Bruxelas, ainda, o tabaco mata anualmente 700.000 pessoas na UE.

Vários eurodeputados queixaram-se nos últimos meses do lobby intenso a que foram sujeitos por parte da indústria, e que terá provocado, nomeadamente, o adiamento da votação da Assembleia de Setembro para hoje.

Vários deputados suspeitam igualmente que John Dalli, ex-comissário europeu responsável pela saúde e protecção dos consumidores que foi forçado a demitir-se há um ano supostamente por suspeitas de corrupção ligada à indústria do tabaco, poderá ter caído numa armadilha no quadro de uma manobra destinada a atrasar a aprovação das novas regras europeias. O processo está em tribunal.

Fugas de documentos internos da Philip Moris, o maior fabricante de tabaco do mundo, revelam que a indústria tentou influenciar mais de 250 deputados em outros tantos encontros destinados a convencê-los da justeza da sua resistência ao reforço das regras anti-tabaco, nomeadamente devido aos 12.000 empregos que o sector garante na Europa. O fabricante elaborou uma lista de 250 deputados marcados com uma cor – verde, amarelo ou encarnado – consoante o visado era considerado sensível, indiferente ou contra os argumentos da indústria.

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