O mundo num minuto

Numa noite eleitoral de tantas surpresas — e, diga-se, que teve até momentos de suspense e de entusiasmo — o país decidiu render-se a um reality show

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Enric Vives-Rubio

Se a profusão de vitórias autárquicas de independentes pelo país fora nos poderia levar a constatar, para além de qualquer dúvida, que o sistema partidário se encontra hoje, mais do que nunca, desfasado da realidade e afastado dos cidadãos, a realidade é que esse fenómeno é até passível de ser reconduzido a uma forma aperfeiçoada de democracia participativa. Neste sentido, é não menos importante reflectirmos um pouco, tentando perceber por que é que numa noite eleitoral de tantas surpresas – e, diga-se, que teve até momentos de suspense e de entusiasmo – o país decidiu render-se a um reality show. De acordo com o Público, foram 1,7 milhões de espectadores.

É evidente que um fenómeno desta natureza não é justificável com recurso a um conjunto reduzido de factores. Resulta claramente de um sem número de motivos, todos eles válidos e merecedores de consideração. Penso no entanto que há um motivo sintomático que justificará especial atenção, e que reside na circunstância de vivermos tempos em que nada é mais importante do que o momento. A imediaticidade é, segundo creio, a tendência mais marcante que, sob o ponto de vista social, caracteriza actualmente a sociedade ocidental. Nada interessa a não ser o momento. A notícia só o é no momento. Só interessa o primeiro tweet, a primeira sondagem, a primeira derrota e o primeiro escândalo. E tudo isto só faz sentido num mundo que é, ele próprio, susceptível de mudar num segundo.

O mundo terá que se habituar a viver à velocidade a que a informação circula online. E esse é um desafio tremendo. Os sistemas políticos e organizacionais – em especial os sistemas administrativos – que regulam a vida no ocidente são, na essência, o produto refinado de dois séculos e meio de evolução. Foram criados à imagem duma sociedade que já não existe e que não voltará a existir. Isto não significa que esses modelos não sejam indispensáveis. Mas significa que a adaptação de que eles necessitam irá ser um processo doloroso, que testará os respectivos limites. Num segundo se é aclamado vencedor de uma eleição e num segundo esse facto deixa de ser notícia relevante. Num segundo um acontecimento ocorrido no outro extremo do globo provoca um desastre financeiro na economia de um país que é completamente alheio às causas desse evento. O momento é o universo de preocupações do indivíduo. É por isso que quando já sabemos quem é o novo presidente da câmara, todos podemos assistir em paz à apresentação dos concorrentes do novo programa da moda.

E é perante este cenário que é urgente situar a necessidade de adaptação que todos apontamos aos partidos políticos, dado que são um elemento central da democracia no nosso sistema constitucional. E nesse sistema, os partidos, enquanto tal, não são, nem nunca serão, capazes de impedir a evolução social. Cabe-lhes conformarem-se com ela e adaptarem-se às tendências, organizando-se, em torno da respectiva matriz ideológica, em estruturas abertas à sociedade e eficazes na interacção social. Até hoje, têm falhado. E o desafio da imediaticidade vai dificultar largamente esse objectivo.

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