Os videojogos criados por Timothy Leary, o sr. LSD, foram redescobertos

Os arquivos do psicólogo estão agora ao alcance dos investigadores e do público e revelam também peças desconhecidas de Keith Haring desenhadas no MacIntosh

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O poeta da geração Beat Allen Ginsberg, Timothy Leary (ao centro) e o médico John C. Lilly numa polaroid tirada em 1991 Philip H. Bailey/DR
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Mind Mirror, o jogo criado por Leary DR

Um dos pais da contracultura psicadélica da década de 1960, o psicólogo e escritor Timothy Leary não era só um experimentalista nas drogas químicas. Nos anos 1980, foi também um gamer e criador de videojogos. Os seus arquivos foram agora abertos para investigação e, como descreve o New York Times, na festa para celebrar essa abertura surgiram, lado a lado com a documentação em que descreve as suas experiências com LSD, monitores com exemplos de cerca de uma dúzia de videojogos que desenvolveu, alguns dos quais comercializados na década de 1980.

Além dessas peças de software, algumas já conhecidas e outras submersas nos arquivos ou consideradas perdidas, a abertura dos arquivos Leary revelou uma outra surpresa: arte digital do artista plástico Keith Haring (1958-1990), um dos mais reproduzidos e reconhecíveis artistas da Nova Iorque dos anos 1980. São várias disquetes com mensagens escritas à mão por Harring e cinco desenhos digitais feitos com o MacPaint, um software de design gráfico da MacIntosh lançado em 1984.

O conservador digital do Museum of Modern Art  (MoMA) de Nova Iorque descreveu que, no momento em que viu os desenhos, ficou boquiaberto. “Arte digital não é algo que associamos a Haring, disse ao New York Times Ben Fino-Radin. “É uma parte da história dele que não foi de todo contada.”

Os arquivos de Timothy Leary são, segundo disse à Associated Press (AP) Denis Berry, o responsável pelo espólio, “o elo perdido em todas as tentativas” de construir o puzzle da investigação sobre o psicólogo e sobre “a emergência da investigação científica sobre as drogas psicadélicas e a contracultura popular das drogas”. Forçarão, diz, um novo trabalho sobre as teorias até aqui desenvolvidas sobre o seu trabalho.

A New York Public Library adquiriu o arquivo em 2011 (por um valor não revelado), incluindo relatórios das suas experiências, cartas às instituições com que trabalhou e trocas de correspondência com figuras eminentes da comunidade científica, mas também artística, que até 18 de Setembro, dia oficial da abertura do espólio, nunca foram tornadas públicas. Há também fotografias e cerca de mil disquetes que mostram o interesse de Leary (1920-1996) pela cibercultura e pelos videojogos nos últimos anos da sua vida, explicava ainda a AP.

Do arquivo fazem também parte cerca de 375 discos rígidos com esses jogos, que poderão agora ser mais explorados e, em alguns casos, jogados através de emuladores – embora, como alerta Donald Mennerich, o arquivista da área do digital do espólio do psicólogo, tenham alguns bugs (falhas) porque estavam ainda em fase de desenvolvimento. Contêm, segundo o mesmo arquivista, ideias à frente do seu tempo.

“Leary trouxe um ângulo de interacção psicológica à ideia de jogo interactivo, a ideia de reprogramar o cérebro. Na altura não pegou, mas ele estava bastante à frente”, explica sobre a forma como Leary trabalhava as suas teses da psicologia no software que criava. Estes jogos concebidos por Timothy Leary visavam sobretudo ajudar os utilizadores a conhecer melhor a sua personalidade, como aquele que a Electronic Arts lançou em 1985 – Mind Mirror pergunta aos jogadores se “o pensamento com precisão sobre si mesmo não é a ferramenta mais básica para gerir a sua vida de forma bem sucedida?” O jogo foi ressuscitado recentemente através de uma versão adaptada para a rede social Facebook.

Há ainda jogos que se pensavam perdidos ou simplesmente nunca desenvolvidos na prática, como Head Coach, Game of Lists, Inter-Com, FlashBack ou Mental Performances, acrescenta o New York Times.

Algumas ideias sobre a interactividade psicológica e a forma como ela pode ser aplicada aos jogos de vídeo, bem como a de “usar a personalidade de outra pessoa para aprender mais sobre a nossa própria é muito interessante e na verdade não foi realmente explorada” até hoje na indústria, como diz ao New York Times o director do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Joichi Ito – que é afilhado de Timothy Leary.

O arquivo da biblioteca pública de Nova Iorque inclui também disquetes e documentação sobre projectos nunca concretizados por Leary, como é o caso de um jogo descrito que permitiria aos espectadores escolher a sua aventura e que teria como protagonista uma personagem desenhada à imagem de Keith Haring – devidamente autorizada pelo artista, segundo mostra a documentação agora disponível. Para o jogo, que a certa altura teve como título Keith Haring’s Neuromancer, o psicólogo planeava uma série de colaborações de renome: não só grafismo de Haring, mas também música dos Devo, fotografia de Helmut Newton e texto de William S. Burroughs. Tudo isto baseado no romance de referência do universo ciberpunk Neuromante (de 1984, com a primeira edição portuguesa pela Gradiva em 1988), de William Gibson.
 
 

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