Fora da zona de conforto

Elvis Costello e os The Roots estão habituados a cooperações, mas raramente se terão colocado tão à prova

Ao longo dos anos, Elvis Costello encetou inúmeras colaborações — com Burt Bacharach, Anne Sofie Von Otter ou Allen Toussaint. E os The Roots de Questlove não têm feito outra coisa nos últimos tempos se não adaptar-se a sucessivos músicos, como banda residente do programa da TV americana Late Night With Jimmy Fallon. Foi aí que se conheceram e que Questlove terá desafiado Costello. 

Mas essa maleabilidade poderia simplesmente não resultar. Afortunadamente não é isso que acontece, com Costello e os Roots a criarem alguns dos momentos musicais mais estimulantes do seu passado recente. A base sonora arquitectada é mais dilatada e suavemente balanceada do que aquilo que os Roots costumam propor, acolhendo na perfeição a sensibilidade lírica de Costello.

Na maior parte dos temas existe uma utilização imaginativa das orquestrações e os ritmos são sofisticados, resultando daí canções sumptuosas, apesar do cenário negro que as palavras de cariz social e político pintam da América pós-eleição de Obama. 

Nos últimos tempos, tanto Costello como os Roots têm apresentado trabalhos confortáveis, daqueles que não comprometem mas também não trazem nada de significativamente novo. Não se pode dizer que em Wise Up Ghost saiam radicalmente das respectivas zonas de conforto, mas dá-se um reposicionamento que baralha a forma como se expõem. A performance vocal de Costello é mais distendida, quase murmurada, num registo mais falado do que cantado, enquanto o som sincopado dos Roots se revela mais denso e compacto, abrindo por isso maiores clareiras entre os apontamentos sonoros. 

Nem é hip-hop, nem funk, nem soul, mas acaba por ser tudo isso, transformado numa sonoridade sonâmbula que em vez de entorpecer parece ter acordado dois gigantes da música popular.

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