Abandonei o conforto e fui aprender

Morrem os mitos. Morrem os preconceitos. Morrem as ilações das primeiras impressões. Nasce o fascínio por cores de pele diferentes. Nasce o fascínio pelas misturas improváveis. Nasce a riqueza

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bobbyfiend/Flickr

Julgo ser consensual que a sabedoria que cada um carrega em si vai muito para além da quantidade de autores portugueses que consegue enumerar, do grau de conhecimento do percurso profissional dos actuais jogadores da NBA ou da quantidade de anúncios publicitários idiotas que memorizou. Há este, sem dúvida, importante e interessante saber.

E depois há o outro. Aquele saber em que não fomos seres passivos. Em que deixámos de ser espectadores do alto da nossa janela e descemos para aprende-lo de pé descalço na rua de terra batida. Não lemos nos livros, não vimos na televisão, não faz parte da biografia de outro alguém e muito menos é tangível ou enumerável. Aquele saber sem intermediários, que resulta daquilo a que nos propusemos a construir, a (vi)ver com os nossos próprios olhos e pés.

Assim, quando, decididos, fazemos as malas e vamos estudar para uma escola que implica transpor a fronteira (do país e do conforto), propomo-nos a aprender muito mais que as Cinco Forças de Porter, a Teoria de Relatividade ou o Equilíbrio de Nash. E se estes últimos, com maior ou menor facilidade literária e discursiva, em um bom par de horas ou dias, conseguimos transmitir a outro, o resto – esse pequeno tão gigantesco “resto” que passámos a saber – pode demorar uma vida inteira.

Portanto, como o compilar numa meia dúzia de parágrafos? Como descrever as inenarráveis aulas de alemão em que o docente não entendeu que “nível de iniciação” é para quem só consegue pronunciar Tschüss!; a constatação de que os mais bizarros mitos comportamentais da cultura oriental afinal não são mitos; as horas e horas de partilha de hábitos e costumes nacionais apenas interrompida por umas garfadas de bacalhau com natas ou de frango Tikka Masala e muitos “Really?” e “WOW!” temperados com ruidosas e divertidas gargalhadas; a sincera e fiel cumplicidade criada com aqueles a quem no nosso ambiente natural ficaríamos por uma primeira impressão marcada de preconceitos - porque com o corpo todo tatuado e a língua furada é drogado, porque com um corpão daqueles só pode ser uma tia arrogante e convencida que só gosta de moda, porque se usa cor-de-rosa é gay ou as faces rosadas não enganam, “anda sempre bêbado!”.

E ainda descobrir que aqueles indispensáveis sapatos que faziam transbordar os 20kg ainda bem que ficaram, nunca fizeram falta; que a troca do conforto de uma casa espaçosa e cheia de mordomias por um minúsculo quarto numas águas furtadas não é sinónimo de infelicidade; que os amigos que ali se criaram, em poucas semanas se tornaram irmãos, pais, namorados, cúmplices de uma vida; que as noites em claro (queridos pais, a estudar, a estudar!) não foram perdidas, foram ganhas; que o comovente abraço das visitas recebidas é extasiante porque há aqueles que a distância só os torna ainda mais nossos; que afinal havia lágrimas mais incontroláveis que as da chegada, as do adeus na hora partida.

Morrem os mitos. Morrem os preconceitos. Morrem as ilações das primeiras impressões. Nasce o fascínio por cores de pele diferentes. Nasce o fascínio pelas misturas improváveis. Nasce a riqueza.

Posto isto, está mais que provado, mesmo que escrevesse um livro seria sempre insuficiente. Para mim e para todos. Os que viveram teriam sempre mil e uma experiências e emoções a acrescentar. Para os que nunca viveram, até uma biblioteca inteira seria escassa para lhes fazer sentir este marcante “resto”.

Assinado,

Eu. Tu. Nós, os que sabemos (e os que ainda haverão de saber).

P.S. - Após ter decidido a área à qual me gostaria de dedicar profissionalmente, para evoluir e completar a minha formação, já fiz malas para ir conhecer em seis instituições diferentes (entre universidades e escolas especializadas) localizadas em quatro países. E se podia ter estudado toda aquela matéria sem ter saído do meu ambiente familiar ou até do conforto do meu sofá? Podia, mas teria aprendido incomparavelmente menos.

Atreve-te! Esta é talvez a única riqueza que, aconteça o que acontecer, dê o mundo a volta que der, nada nem ninguém te tirará. Será sempre tua.

Votos de um memorável novo ano lectivo!

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