A rapariga violada em 1977 por Polanski conta a sua história e critica os media, advogados e juízes

Samantha Geimer lançou esta terça-feira nos EUA as suas memórias e queixa-se da exploração do caso.

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A capa do livro de memórias de Samantha Geimer DR

Trinta e seis anos depois de ter sido violada pelo realizador Roman Polanski em Hollywood, Samantha Geimer, hoje com 50 anos e mãe de três filhos, queixa-se sobretudo da exploração do caso por parte dos media, mas também por parte de advogados e juízes que alimentaram o que chama a “indústria da vítima”. Geimer lançou esta terça-feira nos EUA as suas memórias: The Girl: A Life in the Shadow of Roman Polanski. A foto da capa é da autoria do próprio Polanski, que lhe pediu desculpas pelo impacto que os seus actos tiveram na vida de uma então menina de 13 anos que posava para a revista Vogue.

The Girl: A Life in the Shadow of Roman Polanski nasce da decisão de Samantha Geimer, então Samantha Gailey, de contar a sua versão da história com descrições que o Los Angeles Times categoriza como “contidas” e revisitando algumas das polémicas que envolveram o caso. À BBC, Samantha Geimer confirma o que descreve na obra (escrita em colaboração com um escritor que não é identificado): que preferia passar pela violação novamente do que pelas sessões no tribunal californiano onde teve de reviver o acto e de provar, com a família toda envolvida, o que tinha acontecido naquela tarde na mansão de Jack Nicholson em Mulholland Drive.

Porquê, pergunta a jornalista do programa Hard Talk? “A violação foi dez minutos e o testemunho perante um Grande Júri foi um dia e envolveu a minha mãe, a minha irmã, o meu namorado e foi apenas um só dia em semanas pelas quais tive de passar.”

A história que Samantha Geimer teve de contar e voltar a contar tornou-se numa triste parte de um certo folclore da Hollywood da década de 1970. Samantha já tinha sido fotografada por Polanski, o jovem e venerado realizador filho de judeus polacos que escapou ao Holocausto e cuja mulher, a bela actriz Sharon Tate, fora morta anos antes pelo grupo de Charles Manson. Cerca de três semanas antes da violação, o realizador foi até casa da jovem que era modelo, em Woodland Hills, nos arredores de Los Angeles, e fotografou-a pela primeira vez. Segundo a Hollywood Reporter, tê-la-á convencido a posar sem camisola.

Depois, mais precisamente a 10 de Março de 1977, Samantha chegava, autorizada pela mãe, a casa de Jack Nicholson no Mercedes alugado de Polanski para a sessão que deveria ser publicada na edição francesa da revista Vogue. A mãe de Samantha era actriz e tinha conhecido Roman Polanski numa festa. “Pensei: ‘Meu, agora vou ser famosa’”, recorda Samantha, citada pelo Los Angeles Times. “Metemos-me na Vogue Paris e depois talvez consiga um bom papel [no cinema ou televisão]”, continua. “Foi isso que pensámos que era – uma hipótese, a minha grande oportunidade.”

Contudo, em vez de a fotografar, ele deu-lhe champanhe e um conhecido analgésico usado no mercado paralelo como estupefaciente, o Quaalude, e, segundo os registos judiciais, violou-a analmente depois de saber que ela não tomava qualquer contraceptivo. Logo em Abril, durante o rocambolesco processo legal inicial (houve outros), Polanski declarava-se inocente, defendendo que o sexo entre os dois fora consensual. Samantha negou. Na época, descreveu aos jornais o que dissera: "Eu disse: ‘Não, não! Não quero ir para ali! Não, não quero fazer isto! Não!', e depois não sabia o que fazer. Estávamos sozinhos e eu não sabia o que aconteceria se eu fizesse uma cena. Estava com medo e, depois de resistir um pouco, pensei: 'Bom, a seguir posso ir para casa'".

No livro agora publicado, Samantha Geimer descreve como lidou com o momento da violação. “Eu digo: ‘Não, vá lá!’, mas entre o comprimido e o champanhe é como se a minha própria voz estivesse muito longe.” Nessa noite, a mãe de Samantha denunciou o sucedido à polícia. Aí, começou o que ela recorda de forma mais traumática – ou não. Samantha diz ter esquecido grande parte do que se passou no ano após a violação.

O processo foi conturbado e durou meses, terminando com uma curta pena para Polanski pelo crime de relações sexuais com uma menor e com a fuga do realizador dos EUA em 1978 por temer voltar à prisão. Em 1988, Samantha processa-o no tribunal cível por agressão sexual e passados dez anos paga à sua vítima uma indemnização de 225 mil dólares, que, revela agora, usou na educação dos seus três filhos. Polanski voltaria a ser detido, por ter um mandado de captura ainda pendente, em 2009, na Suíça. Ficou em prisão domiciliária durante meses até ser rejeitada a sua extradição para os EUA.

Durante todos estes capítulos legais, Samantha Geimer diz ter-se sentido como uma personagem explorada. Não só por algumas pessoas terem questionado publicamente a sua versão dos factos, mas também por terem criticado a sua postura enquanto vítima e, sobretudo, pela forma como a fizeram sentir uma personagem secundária numa história protagonizada pelo mediático e oscarizado (por O Pianista) Roman Polanski. Usar uma foto da sua autoria na capa do livro editado pela Atria é uma forma de recuperar algum controlo sobre a sua história, diz a editora.

“Não deviam poder tornar o que me aconteceu ainda pior só porque é mais interessante”, diz dos jornalistas, dos advogados, dos juízes. “Fazem com que nos sintamos mal e sejamos uma vítima para que outros possam usar-nos como lhes aprouver”, queixa-se ao LA Times. Confrontada pela BBC com a sua hesitação assumida sobre se iria à polícia se tivesse uma filha que fosse violada aos 13 anos, Samantha Geimer volta a hesitar sobre o que faria. “Provavelmente [iria à polícia], mas poderia pensar nisso cuidadosamente depois da minha própria experiência – porque não quereria torná-lo pior do que ser violada.”

A edição de Outubro da Vanity Fair entrevista Roman Polanski a propósito do seu novo filme, D, e o tema Samantha Geimer é incontornável, com Samantha a responder por email à revista que o que aconteceu naquele dia de Março de 1977 “foi violação". "Não só porque eu era menor, mas também porque não consenti. A minha hesitação em andar a usar a palavra violação é porque na minha cabeça essa palavra implica um nível de violência que não ocorreu no meu caso”, reitera.

Ao anunciar o livro, em 2012, avisava: “Sou mais do que ‘a rapariga vítima sexual’ [e] ofereço a minha história agora sem raiva, mas com um propósito – partilhar uma história que recupere a minha identidade”. Nos últimos anos, Samantha Geimer, hoje uma secretária casada com Dave Geimer, que trabalha no ramo imobiliário, voltou a estar na berlinda – aquando da detenção de Roman Polanski na Suíça, aquando da feitura do documentário Roman Polanski: Wanted and Desired, de Marina Zenovich (2008). Publicou artigos de opinião e prestou declarações defendendo o direito de Roman Polanski continuar a viver normalmente.

Quando viu Roman Polanski: Wanted and Desired, Polanski escreveu uma carta a Samantha Geimer. Faz agora parte do livro The Girl e nela o realizador de Chinatown e A Semente do Mal diz lamentar a forma como afectou a vida de Samantha.
 
 
 

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