Brasileiros celebram dia da independência com "maior protesto do Brasil"

Em discurso televisivo, Presidente Dilma Rousseff diz que "o povo tem o direito de se indignar".

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Manifestantes e polícia a postos para dia de manifestações REUTERS/Ricardo Moraes

Pelo menos 25 pessoas foram detidas e dezenas acabaram feridas em confrontos entre as autoridades e manifestantes que procuraram interromper a parada militar do dia da Independência, no Rio de Janeiro.

Milhares de brasileiros voltaram este sábado à rua, em resposta a uma convocatória através das redes sociais para novos protestos contra a corrupção. A polícia foi mobilizada para mais de 130 cidades do país, e autorizada a usar a força para responder a actos de violência.

De acordo com a imprensa brasileira, verificaram-se confrontos e actos de vandalismo em várias cidades, incluindo a capital Brasília, onde os manifestantes tentaram invadir a sede da TV Globo e cercar o estádio Mané Garrincha, onde a selecção nacional se preparava para disputar um jogo amigável contra a Austrália.

Mas foi no Rio de Janeiro que a tensão foi mais visível, com a Avenida Presidente Vargas, por onde passou a comitiva oficial, a ser invadida pelos manifestantes que, de rosto tapado conforme tinha sido sugerido na convocatória, tentaram caminhar ao lado da parada militar. A polícia carregou sobre os manifestantes para travar a passagem dos anarquistas dos “Black Blocs”, e disparou balas de borracha e gás lacrimogéneo, lançando o pânico entre o público que assistia ao desfile nas bancadas.

Em Belo Horizonte, Fortaleza, Salvador, Manaus e Porto Alegre, houve confrontos esporádicos, com a polícia a efectuar várias detenções. Em quase todos os estados, as forças de segurança tinham ordem para passar revista aos manifestantes e exigir a identificação daqueles que marchassem com o rosto coberto. “Não tem nada na lei que proíba o facto de a pessoa usar máscara. O que não pode é depredar o património, público ou privado”, resumiu o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. 

O Sete de Setembro é celebrado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil todos os anos com o “Grito dos Excluídos”, que reúne vários movimentos em passeatas pelo país. Ontem a tradição cumpriu-se com o apoiantes do movimento LGBT, dos Sem-Terra, sindicatos de professores, utentes dos transportes públicos, a juntarem-se à marcha – que para muitos se converteu também num novo “Grito da Soberania”, com slogans contra a corrupção.

Nos protestos, que integraram grupos pastorais, movimentos sociais, organizações sindicais e anarquistas, ouviram-se apelos para o fim do processo do mensalão, a gratuitidade do ensino, a construção de hospitais, a justiça para as vítimas da ditadura militar ou a reforma dos códigos tributário e penal.

Antecipando a mobilização, a Presidente brasileira, Dilma Rousseff, pronunciou-se na televisão sobre a indignação popular e o desejo de mudanças, vociferado por milhões em marchas e protestos desde o mês de Junho. “O povo tem o direito de se indignar”, considerou. “Infelizmente ainda somos um país com serviços públicos de baixa qualidade”, admitiu, para logo contrapor que, apesar do descontentamento, houve uma rápida evolução das condições de vida da população. “Há igualmente um Brasil de grandes resultados, que não podemos deixar de enxergar e reconhecer”, sublinhou.

A Presidente referiu-se à resposta do seu Governo às exigências das manifestações, enumerando os vários “pactos” que propôs ao Congresso – para a educação, saúde ou reforma política.

Dilma estimou que a aprovação do projecto de lei que consagra a canalização de 75% das receitas da exploração das reservas petrolíferas do pré-sal para o sistema de ensino será um dos principais legados do seu Governo – “garantindo benefícios à população brasileira por, no mínimo, 50 anos”, disse. A proposta sofreu várias alterações no processo legislativo: a ideia inicial era canalizar 100% dos rendimentos obtidos com o pré-sal para a educação.

Dilma também defendeu o seu programa “Mais Médicos”, que foi alvo de duras críticas por parte de organizações brasileiras da saúde, que contestam a contratação de médicos estrangeiros. “O Brasil tem feito e precisa fazer mais investimentos em hospitais e equipamentos, porém a falta de médicos é a queixa mais forte da população pobre”, lembrou a Presidente, que classificou a decisão do Governo de recorrer a médicos do exterior para preencher vagas deixadas em aberto por brasileiros como “uma decisão a favor da saúde”.

“O país tem uma grande dívida com a saúde pública que tem que ser resgatada o mais rápido possível”, reconheceu, garantindo que mesmo contra as críticas das entidades profissionais, “o Mais Médicos está se tornando uma realidade”.

Uma outra realidade é a da reforma política. Dilma Rousseff considerou que a proposta de decreto legislativo que foi entregue no Congresso na semana passada, para a convocação de um plesbicito era “um bom passo”, apesar de muitas das suas ideias não estarem vertidas no documento.

O discurso televisivo de Dilma – que foi gravado antes de a Presidente viajar para a Rússia para participar na cimeira do G20 – motivou a apresentação de uma queixa à Justiça Eleitoral do PSDB, maior partido da oposição, por propaganda antecipada. Segundo denunciou à Folha de S. Paulo o senador Aécio Neves, putativo candidato presidencial dos tucanos, “o Brasil não tem mais uma Presidente da República, só uma candidata desesperada por recuperar os índices de popularidade perdidos”.

Para Aécio, Dilma “ultrapassou todos os limites e desrespeitou o povo brasileiro ao transformar um espaço institucional da presidência em mero horário eleitoral”, retomando “práticas que se consideravam banidas da política brasileira e inimagináveis desde que a população foi às ruas exigir austeridade e respeito às instituições e à ética”.

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