A gestão do fogo e as ignições

Confrontados com a especial vocação de Portugal para o fogo, temos tendência a ignorar as condições geográficas específicas que o explicam (veja-se, por exemplo, o estudo “Synoptic patterns associated with large summer forest fires in Portugal” de Mário G. Pereira, Ricardo M. Trigo, Carlos C. da Camara, José M.C. Pereira e Solange M. Leite).

Destas especificidades resulta o grande número de ignições verificado em Portugal.

Ainda recentemente o senhor Secretário de Estado das Florestas se referiu a este factor para dizer que existe uma correlação entre o número de ignições e a área ardida, pelo que se reduzirmos as ignições reduziremos a área ardida.

Existe, de facto, uma correlação estatística entre o número de ignições e a área ardida, não totalmente perfeita. Apenas 43% da variação diária do número de fogos com mais de 100 ha pode ser explicada pela variação diária do número de ignições, e há dias de mais de 500 ignições sem que haja qualquer fogo com mais de 100 ha. Remeto para os trabalhos de Paulo Fernandes, da UTAD, para mais pormenores.

Esta correlação estatística não revela nenhuma relação de causa/ efeito, apenas que o número de ignições e o número de grandes fogos dependem dos mesmos factores meteorológicos.

Eu sei que há quem responda que os incendiários sabem perfeitamente deitar o fogo nas alturas mais críticas.

Esta explicação não tem o menor fundamento, quer no perfil do incendiário, que aponta para pessoas de muito baixo conhecimento e motivações muito imediatas, quer no facto das ignições por fogo posto serem apenas 20% do total.

Por maioria de razão, as ignições por negligência, largamente maioritárias, não podem ser explicadas como variação da negligência em função da meteorologia.

Se olharmos para os mapas (preparados por José Miguel Cardoso Pereira, do ISA) que mostram o número de ignições por Km2, e a proporção de área ardida, em cada concelho do país, apercebemo-nos de que a co-relação estatística não tem tradução geográfica.

Citando uma explicação informal do autor dos mapas: “Quando há uma ignição num concelho da Área Metropolitana do Porto, a "expectativa de área queimada", no momento da ignição é, com certeza, inferior a 1 hectare. Quando ocorre uma ignição na Pampilhosa da Serra, em Mação, ou em Monchique, a expectativa de área queimada associada a essa mesma ignição é dezenas ou centenas de vezes maior. … a maior parte (das ignições) não tem potencial de vir a resultar em grandes fogos, devido às circunstâncias geográficas em que ocorrem: paisagem peri-urbana, muito fragmentada, sem grandes manchas de vegetação contínua; densidade populacional muito alta, o que implica rapidez de detecção e proximidade de corporações de bombeiros e rede viária densa, portanto acesso rápido. Mas, a quem quer argumentar que não faz melhor porque há ignições demais, convém ignorar as distinções geográficas e meter tudo no mesmo saco, como se fossem as ignições de Gondomar as grandes responsáveis por extensas áreas queimadas no Sabugal, digamos.”

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