Corte e colagem de cromossomas é uma das chaves para a evolução dos organismos

Como é que chimpanzés e humanos são tão parecidos e tão diferentes? Estudos de equipa portuguesa numa espécie de levedura, só com uma célula, dão algumas respostas.

Foto
Já foram documentados rearranjos cromossómicos em humanos DR

Os cromossomas são os moldes originais da informação genética. Alojados no núcleo das células, são um conjunto de moléculas e ADN constantemente requisitados para a produção de proteínas a partir dos genes codificantes nesse ADN. A evolução tornou os cromossomas como caixas-fortes para proteger a informação genética, evitando ao máximo as mutações, que podem ser prejudiciais para os organismos. Mesmo assim, essas mutações ocorrem e, às vezes, não se limitam a um tijolo do ADN, num determinado gene, mas dão-se em porções significativas de um cromossoma. A essas alterações chamam-se rearranjos cromossómicos.

As translocações são uma classe de rearranjos cromossómicos, em que dois cromossomas de tamanhos diferentes trocam uma porção dos braços. Estes rearranjos podem causar o aborto de um embrião, quando ocorrem nas células sexuais. Mas, se acontecem numa célula de um indivíduo adulto, poderão estar na origem de cancros.

Para avaliar as consequências deste fenómeno e investigar se estas alterações nos cromossomas também poderão ser motores da adaptação e evolução dos organismos, uma equipa de investigadores portugueses do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, provocou translocações e inversões (outro tipo de rearranjo cromossómico) na Schizosaccharomyces pombe, uma levedura unicelular muito usada nos laboratórios.

O resultado mostrou que algumas mutações podiam originar células com um metabolismo mais rápido, que prevaleciam. Noutros casos, as células passavam a dividir-se mais lentamente, mostrando que o rearranjo cromossómico não era positivo. Mas, uma célula mutada que se dividia menos podia adaptar-se melhor quando os investigadores a punham noutro ambiente, conclui o artigo da equipa publicado na última edição da revista Nature Communications.

“As nossas estirpes de levedura têm exactamente a mesma sequência de ADN. Nós apenas mudámos a localização das sequências dos cromossomas. Deste modo, as nossas experiências mostram pela primeira vez os efeitos originados por alterações na arquitectura dos cromossomas”, diz em comunicado Ana Teresa Avelar, uma das autoras do artigo.

Efeitos variados
Já foram documentados rearranjos cromossómicos em várias espécies animais, como nas moscas drosófilas, no parasita da malária ou em humanos. Alguns podem ser silenciosos e passarem despercebidos de pais para filhos, sem efeitos negativos. Mas, segundo a equipa, esses rearranjos cromossómicos que se encontram na natureza já sobreviveram ao teste da evolução e muitos outros não terão sobrevivido.

Os investigadores queriam, assim, criar novos rearranjos para verificar se essas alterações eram rapidamente adoptadas e influenciavam a evolução ou se, na maioria dos casos, eram preteridas. Os cromossomas só ficam bem visíveis na altura das células se dividirem, quando a longa molécula de ADN fica enroladinha e apertada entre muitas proteínas, que se agregam, formando um icónico X. Enquanto os seres humanos têm 23 pares de cromossomas, incluindo o par de cromossomas sexuais, a espécie de levedura utilizada pela equipa do IGC só tem três cromossomas durante a maior parte da vida.

Na experiência, o grupo liderado por Miguel Godinho Ferreira e Isabel Gordo criou oito translocações diferentes entre cromossomas e mais duas inversões. Imaginando que um cromossoma tem o formato de uma pessoa, uma inversão é como cortar o pescoço e inverter a posição da cabeça, pondo-a ao contrário por cima dos ombros.

A subtileza daqueles dez rearranjos cromossómicos feitos no laboratório é que, apesar de ter havido cortes nas longas moléculas de ADN para se rearranjar os cromossomas, os cientistas quiseram garantir que a sequência de ADN resultante mantinha toda a integridade dos genes. Isto para que os moldes das proteínas não ficassem potencialmente estragados. Desta forma, tinham a certeza de que todas as consequências nas células alteradas se deviam unicamente a uma nova estrutura destes cromossomas e não a mutações específicas no ADN.

Os resultados foram variados. Os cientistas observaram que, num ambiente perfeito para o crescimento destas leveduras, alguns rearranjos cromossómicos produziram células que cresciam 3% mais do que a variedade de leveduras-mãe. Mas outras tornaram-se mais lentas, tendo uma desvantagem de 1,5% no crescimento. Este tipo de resposta mudava, contudo, noutros ambientes, mostrando que as leveduras mais adaptadas variavam de acordo com o meio.

Adaptação: das células cancerosas até à evolução humana
“Podemos agora inferir como as células cancerosas, com rearranjos cromossómicos, conseguem adaptar-se e crescer mais depressa do que as células normais; ou como pessoas com diferentes cromossomas podem ter problemas de infertilidade sem se aperceberem disso; e como estes rearranjos cromossómicos podem ser mantidos na população sem serem eliminados”, diz Miguel Godinho Ferreira no comunicado.

Por outro lado, a equipa identificou uma alteração na actividade (expressão) dos genes que tinham mudado de sítio após os rearranjos feitos nos cromossomas. Nalguns casos, havia um efeito em cadeia, em que esta mudança de expressão genética afectou os três cromossomas. Para equipa, esta descoberta é importante. Se duas células têm um padrão de expressão genética diferente apenas por haver no cromossoma uma nova localização dos mesmos genes, então os rearranjos cromossómicos que acontecem na natureza podem desempenhar um papel na evolução dos seres vivos.

“Os estudos que comparam humanos e chimpanzés mostram que mudanças de blocos de genes [nos cromossomas] são importantes para que os genes tenham expressões diferentes. Efeitos posicionais como estes podem traduzir-se em variações morfológicas e fisiológicas com implicações importantes na evolução”, escrevem os cientistas no artigo. 

Sugerir correcção
Comentar