Na procura pela paz, a música não é uma arma mas um poder universal

Barenboim recebeu em Lisboa o Prémio Calouste Gulbenkian pelo seu trabalho com a West-Eastern Divan Orchestra, uma orquestra que faz esquecer no palco os conflitos que separam o Médio Oriente.

Fotogaleria
Daniel Barenboim e Jorge Sampaio Enric Vives-Rubio
Fotogaleria
Fotogaleria
Fotogaleria

Daniel Barenboim não tem ilusões. Sabe que o mundo e os seus líderes são teimosos e complicados de mais para mudar, mas não desiste. Continua a passar uma mensagem de esperança através da música.

Já o ouvimos, diversas vezes e em diferentes ocasiões, mas quando Barenboim fala, o seu discurso soa a novidade. Foi o que aconteceu nesta segunda-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, onde o maestro recebeu o Prémio Calouste Gulbenkian, no valor de 250 mil euros, pela sua “Orquestra da Paz” que no mesmo palco junta jovens músicos do Médio Oriente, entre os quais palestinianos e israelitas.

Não é por acaso que o nome de Daniel Barenboim aparece sempre entre os prováveis candidatos ao  Prémio Nobel da Paz. É que o maestro, além de ser um cidadão do mundo – nascido na capital argentina, Buenos Aires, filho de judeus com origens na Rússia, também tem nacionalidade israelita e espanhola e é ainda um cidadão honorário palestiniano – também baseia todo o seu trabalho na promoção da união das nações. E, com isso, já provou que a música tem um poder universal capaz de unir músicos e superar antagonismos históricos como é o caso do conflito entre Israel e a Palestina.

Foi em 1999 que Barenboim criou a West-Eastern Divan Orchestra com o intelectual palestiniano Edward Saïd (1935-2003). Na altura, a ideia surgiu depois de uma proposta do alemão Bernd Kauffmann, que programava a Capital Europeia da Cultura, celebrada então em Weimar, na Alemanha. “Eu disse que estava muito ocupado e não tinha tempo, mas ele insistiu”, contou na Gulbenkian o maestro depois de Jorge Sampaio, o ex-presidente da República e antigo representante da ONU para a Aliança das Civilizações, lhe ter perguntado como tudo começou.

Foi depois de “muito vinho e às duas da manhã” que Barenboim chegou à ideia de juntar no mesmo palco jovens músicos do Médio Oriente. “Tu és maluco!”, disse-lhe o alemão, sem imaginar que pouco depois dessa conversa o maestro e Edward Saïd iam conseguir reunir mais de 200 candidaturas para um workshop de música.

“A lenda diz que Saïd e eu criámos uma orquestra para lutar contra as injustiças, mas isso não é verdade”, disse o maestro em tom de brincadeira, explicando que mais do que lutar contra essas injustiças o que os dois quiseram foi mostrar que a música é uma forma de entendimento. E a verdade é que, 14 anos depois, a orquestra não tem mãos a medir com tantos concertos e reconhecimento. Nesta segunda-feira, na Gulbenkian, foi mais uma celebração, que, como Barenboim sublinhou – “sem falsa modéstia porque ando nos palcos há muito tempo” – foi merecida.

Para o júri do Prémio Calouste Gulbenkian, presidido por Jorge Sampaio e composto pelo ex-presidente de Cabo Verde Pedro Pires, a princesa Rym Ali da Jordânia, fundadora do Jordan Media Institute, e António Sampaio da Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa, o trabalho do maestro com esta orquestra é “uma chamada de atenção para um conflito que grassa há décadas e se repercute numa região inteira”. Para Artur Santos Silva, presidente da Gulbenkian, esta distinção “é oportuna e exemplar” e Barenboim “o mestre dos mestres”, que “propõe soluções novas para problemas velhos”.

Daniel Barenboim vê este reconhecimento como incentivo, mas sabe que o caminho é ainda muito longo. A West-Eastern Divan Orchestra ainda não conseguiu mudar o mundo, mas mudou já a vida de todos aqueles que participaram e continuam a participar nela, músicos e não só. “Estamos a falar de pessoas que têm um passado marcado por conflitos, seja na Palestina, em Israel ou na Síria. Para elas, a orquestra representa uma mudança de vida”, continuou o maestro, que, ao lado de Jorge Sampaio, defendeu que o conflito entre Israel e a Palestina não será ultrapassado enquanto os seus responsáveis não assumirem os erros do passado, tal como a Alemanha fez em relação ao Holocausto.

“Não há dinheiro americano ou sanções que consigam mudar alguma coisa porque tem sempre a ver com reconhecer os erros do passado. E é difícil admitir que  se está enganado, por ignorância e medo. E esse é um caminho sem atalhos”, afirmou Barenboim. Para se conseguir um futuro melhor, é preciso discussão.

Muita discussão é, aliás, o que o maestro fomenta na orquestra que hoje é vista como um exemplo em todo o mundo. E não duvida de que a orquestra é o melhor modelo de democracia: “Ensina-nos quando temos de liderar e quando temos de seguir”.

Sugerir correcção
Comentar