Prémio Man Booker de Ficção anuncia “long list” de 2013

Os consagrados escritores irlandeses Colm Tóibin e Colum McCann, e ainda o britânico Jim Crace, são excepções na “long list" do Booker, divulgada esta terça-feira, que inclui vários autores em início de carreira e alguns estreantes.

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O escritor Colm Tóibin está entre os nomeados Paulo Pimenta

O júri da edição de 2013 do Man Booker Prize de Ficção anunciou esta terça-feira os 13 romances seleccionados para “long list” deste ano, que em Setembro será reduzida a uma “short list” de seis obras. O livro vencedor será anunciado em Outubro e o respectivo autor receberá 50 mil libras (cerca de 58 mil euros). A maior parte dos títulos seleccionados já está nas livrarias, mas alguns só serão lançados em Agosto ou Setembro.

Para o presidente do júri, o escritor de viagens Robert Macfarlane, esta é “a mais diversificada ‘long list’ da história do prémio”, não apenas pela multiplicidade das origens geográficas dos autores escolhidos, mas também no que respeita à forma, ao tema e ao período em que decorre a acção de cada um deles. “Estes 13 romances notáveis vão do tradicional ao experimental, do I século d.C. ao presente, de cem páginas a mil, e de Xangai a Hendon [um subúrbio de Londres]”, comentou Macfarlane.

Numa lista da qual estão ausentes alguns pesos-pesados que poucos imaginavam ver afastados já nesta fase, como o prémio Nobel sul-africano J. M. Coetzee ou a canadiana Margaret Atwood, vencedora do Booker Prize de 2000 com O Assassino Cego, o que primeiro chama a atenção é, de facto, a escassa percentagem de autores britânicos. E também a relativa juventude da maioria dos seleccionados, muitos deles em início de carreira.

Um olhar malaio sobre Xangai

As obras foram anunciadas segundo a ordem alfabética dos apelidos dos respectivos autores, começando com o malaio Tash Aw, autor de Five Star Billionaire, que relata as vidas de cinco emigrantes malaios em Xangai. Nascido em Taiwan de pais malaios, Tash Aw é advogado e vive actualmente em Londres. Após o sucesso crítico e comercial da sua obra de estreia, The Harmony Silk Factory, que integrou a “long list” do Booker Prize em 2005, é hoje provavelmente o escritor malaio mais conhecido internacionalmente.

Um jogo de crianças no Zimbabué

A senhora que se segue, No Violet Bulawayo, pseudónimo de Elizabeth Tshele, vem do Zimbabué e We Need No Names, que assume como narrador uma rapariga de dez anos e que tem como protagonistas um grupo de crianças, é o seu primeiro romance. Darling, a narradora, e os seus amigos inventaram um jogo em que cada um se imagina natural de um país diferente. Já a novela curta que revelou a autora, Hitting Budapest, tinha como herói colectivo um gangue de crianças de rua num bairro de lata do Zimbabué.

Mistério neo-zelandês no século XIX

Com apenas 27 anos, Eleanor Catton, uma neozelandesa nascida no Canadá, é a mais nova das autoras da lista. O júri seleccionou o seu segundo romance, The Luminaries, um complexo mistério policial que tem por cenário a corrida ao ouro na Nova Zelândia de meados do século XIX. Catton tinha-se estreado em 2010 com Rehearsal (O ensaio, na edição portuguesa), centrado nas reacções provocadas pela relação amorosa entre um professor e uma aluna do secundário.  

 O regresso do veterano Jim Crace

Numa lista com poucos ingleses de gema e ainda menos autores consagrados, Jim Crace é uma dupla excepção. Tendo-se estreado há quase 30 anos com Continente (1986), Crace já vira um romance seu, Quarentena (1997), chegar à “short list” do Booker. Desta vez, o júri deixou-se convencer por Harvest, uma sombria história intemporal que tem por cenário uma aldeia inglesa.

Judaísmo ortodoxo na Londres actual

Já Eve Harris, nascida em Londres de pai israelita e mãe polaca, poderá gabar-se no futuro de ter entrado na “long list” do Booker logo com o seu livro de estreia. The Marrying of Chani Kaufman conta a história de uma jovem judia inglesa de 19 anos que se vê compelida a aceitar um casamento arranjado com um homem que não conhece. Harris assumiu ter-se inspirado, para escrever o romance, na sua experiência como professora de um colégio londrino para raparigas judias ortodoxas.

Uma epopeia experimentalista

Richard House, escritor, cineasta, professor universitário de escrita criativa e editor da revista digital Fatboy, entre outras actividades, escreveu um dos mais ambiciosos romances do ano, The Kills, uma obra épica constituída por quatro partes interligadas. Condimentado com crime e conspiração, o livro pode ser considerado um thriller político, ainda que cruze diversos géneros literários com o mesmo desembaraço com que o enredo vai cruzando continentes. House criou ainda um site (http://www.thekills.co.uk) onde a vida das suas personagens se estende para lá das fronteiras do livro. O autor assume que uma das suas referências é o desaparecido autor de Os Detectives Selvagens. Resta saber se é mesmo outro Roberto Bolaño ou apenas alguém que conhece bem os truques do oficio.

Da vida familiar dos emigrantes

Nascida em Londres de pais indianos que emigraram para os Estados Unidos quando a filha tinha dois, Jhumpa Lahiri viu ser seleccionado para esta “long list” o seu segundo romance, The Lowland, um retrato íntimo da vida familiar dos emigrantes. Nomeada por Barack Obama para o comité presidencial das Artes e Humanidades, Lahiri, que é também constista, publicara em 2003 o seu primeiro romance, The Namesake (O Bom Nome na edição portuguesa), que foi adaptado ao cinema por Mira Nair (em Portugal, o filme foi distribuído com o título O Bom Nome).  

A segunda guerra vista de Brighton

Contista, romancista e ensaísta, Alison MacLeod passou esta primeira triagem do Booker com Unexploded, o seu terceiro romance, cuja acção decorre em 1940. Como outros romances seleccionados, só chegará às livrarias em Setembro, mas a editora, a Hamish Hamilton, inicia assim o resumo do respectivo enredo: “Geoffrey and Evelyn Beaumont, e o seu filho de oito anos Philip, aguardam ansiosamente notícias do esperado desembarque inimigo nas praias de Brighton”. O pequeno Philip, ficamos ainda a saber, está especialmente preocupado com os rumores de que Hitler pretende instalar o seu quartel-general em Inglaterra no Pavilhão Real de Brighton.

O primeiro voo transatlântico

Nascido em 1965, em Dublin, Colum McCann tem já uma respeitável bibliografia, iniciada em 1994 com Fishing the Sloe-Back River, e é um dos mais traduzidos autores irlandeses actuais. Professor de escrita criativa e colunista de jornais europeus e americanos, chega agora à “long list” do Booker com Transatlantic, que parte de um episódio histórico: o primeiro voo transatlântico sem escala, realizado pelos aviadores britânicos John Alcock e Arthur Whitten Brown, que descolaram da Terra Nova no dia 14 de Junho de 1919 e chegaram no dia seguinte a Connemara, na Irlanda. Não é a primeira vez que McCann evoca na sua ficção um episódio histórico revelador de bravura pessoal: o seu anterior romance, Let the Great World Spin (Deixa o Grande Mundo Girar na edição portuguesa), lembra a façanha de Philippe Petit, que em 1974 caminhou sobre um cabo estendido entre as Twin Towers de Nova Iorque.


Desventuras de uma jovem quase inglesa

Almost English, o romance de Charlotte Mendelson que integra esta lista, deverá sair já em Agosto, na Mantle, que aguça a curiosidade com esta descrição: “Num exíguo apartamento londrino, Marina, de 16 anos, vive com a sua mãe, Laura, de sensibilidade delicada, e três idosos parentes húngaros”. Marina, prossegue a nota, “sabe que tem de escapar”. O livro é provavelmente inspirado nos avós maternos da autora, que a própria descreve como sendo “falantes de húngaro-checos-ruténios durante cerca de dez minutos-Cárpatos-impossíveis de descrever”. Almost English é já o quarto romance de Mendelson, que se estreou em 2001 com Love in Idleness.

Budismo zen em forma de romance

Para servir de exemplo do cosmopolitismo desta “long list”, ninguém melhor do que Ruth Ozeki, autora de A Tale for The Time Being, uma vasta metaficção que inclui apêndices, bibliografia, notas e citações de mestres zen. Canadiana-americana com mãe japonesa, Ozeki é também realizadora e mestre de budismo zen.

Um retrato da crise irlandesa

Com 36 anos, o irlandês Donal Ryan não se apressou a publicar o seu primeiro romance, The Spinning Heart, mas talvez tenha feito bem em esperar pelo momento propício. O livro entusiasmou a crítica e o Donal Ryan é já considerado uma das mais prometedoras vozes da nova ficção irlandesa. E os leitores portugueses poderão ler com particular interesse este livro que retrata a Irlanda pós-colapso financeiro, tal como é vista pelas diferentes perspectivas de 21 habitantes de uma cidade rural do sul país.

A Virgem Maria conta a sua versão

A fechar a lista, outro irlandês, o ficcionista, dramaturgo e crítico literário Colm Tóibin, que tem já vários romances traduzidos em português. Frequentemente referido como possível candidato ao Nobel da Literatura, Tóibin publicou o seu primeiro romance, South, em 1990, e é uma presença habitual nas listas do Booker: O Navio Farol de Blackwater (1999) e O Mestre (2004), uma biografia ficcionada de Henry James, chegaram à “short list”, e Brooklyn foi seleccionado para a “long list” em 2009. Tóibin compete este ano com O Testamento de Maria, já publicado em Portugal pela Bertrand, romance em que assume o ponto de vista da mãe de Jesus Cristo, pondo-a a contar uma história bastante diferente da que se deduz do relato dos evangelistas.  

 

 
 

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