Portas admite que Presidente da Bolívia "pode ter razões de queixa"

Ministro dos Negócios Estrangeiros envia "palavra de reparação" a Evo Morales por Portugal ter impedido a aterragem do seu avião, num voo entre Moscovo e La Paz.

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Paulo Portas na audição da Comissão de Negócios Estrangeiros, no dia 9 de Julho Nuno Ferreira Santos

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, admite que Evo Morales "pode ter razões de queixa" no incidente que levou o seu avião a ficar retido 13 horas em Viena, Áustria, depois de Portugal ter revogado a autorização de aterragem e de outros países europeus terem encerrado o espaço aéreo durante uma viagem entre Moscovo e La Paz.

Num comunicado enviado à agência Lusa pelo porta-voz do ministro, Miguel Guedes, nunca é utilizada a expressão "pedido de desculpas", mas lê-se que Paulo Portas deixou "palavra de reparação" em nome do Governo português.

Segundo o comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), a "palavra de reparação" e a admissão de que o Presidente da Bolívia "pode ter razões de queixa" surgem como um "contributo de Portugal para superar a tensão entre os países do Mercosul e os países da UE".

Na sequência do incidente com o avião de Evo Morales, no início de Julho, os países do bloco sul-americano (Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela – o Paraguai está suspenso desde Junho do ano passado) chamaram para consultas os seus representantes em Portugal, Espanha, Itália e França e manifestaram o seu "firme repúdio" pelas acções destes governos europeus.

Num comunicado assinado pelos chefes de Estado dos países sul-americanos, os governos europeus são acusados de terem promovido um tratamento "infundado, discriminatório e arbitrário", que qualificaram também como uma "prática neocolonial".

No dia 1 de Julho, Portugal não autorizou a aterragem e França e Itália encerraram o seu espaço aéreo à passagem do avião de Evo Morales, que acabou por ficar retido em Viena, Áustria, durante 13 horas. O Presidente da Bolívia acusou o embaixador de Espanha em Viena de ter forçado uma revista ao avião presidencial, devido a suspeitas de que o analista informático norte-americano Edward Snowden seguia a bordo.

Portugal mantém "considerações técnicas"
A "palavra de reparação" e a admissão de que o Presidente Evo Morales "pode ter razões de queixa" surgem "depois de [o MNE] ter reunido demoradamente com os embaixadores do Mercosul na segunda-feira", avança o comunicado enviado na noite de quinta-feira à Lusa.

No seguimento dessa reunião, o ministro Paulo Portas "tomou a iniciativa de falar com o seu colega boliviano, na passada terça-feira, oferecendo uma 'palavra de reparação' por parte do Governo português".

No mesmo texto, o porta-voz Miguel Guedes sublinha "a singularidade da posição portuguesa", porque o país "sempre autorizou o sobrevoo do seu território, informou antecipadamente as autoridades bolivianas das suas decisões e não exigiu quaisquer garantias sobre a composição da comitiva do Presidente Morales", repetindo os argumentos apresentados pelo ministro Paulo Portas numa audição na Comissão de Negócios Estrangeiros, que decorreu no passado dia 9.

Apesar de afirmar que não questionou a Bolívia sobre a composição da sua comitiva, o MNE nunca explicou se recebeu alguma informação de que Edward Snowden seguia a bordo, tal como admitiu o ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, José Manuel García-Margallo.

O texto enviado na quinta-feira à Lusa não avança uma nova explicação para a decisão de Portugal, mantendo-se a posição oficial de que o voo do Presidente da Bolívia foi impedido de aterrar por "considerações técnicas", tal como foi avançado num comunicado do MNE emitido no dia 3.

Nesse mesmo texto, lê-se também que Portugal chegou a negar o sobrevoo do território português, num período inferior a três horas: "No dia 1 de Julho, 2.ª feira, às 16h28, foi comunicado às autoridades da Bolívia que a autorização de sobrevoo e aterragem, solicitada para o percurso de regresso Moscovo/La Paz, estava cancelada por considerações técnicas."

Um pouco mais tarde, "às 21h10", foi transmitido às autoridades bolivianas que "as considerações de ordem técnica não obstavam ao sobrevoo do espaço aéreo nacional, tendo para tal sido expressamente concedida nova autorização de sobrevoo. Apenas a aterragem não seria possível por considerações técnicas", lê-se no primeiro texto sobre a posição oficial do MNE.

O PÚBLICO tem tentado contactar o porta-voz do MNE, Miguel Guedes, desde o início do caso, mas nunca obteve respostas às chamadas telefónicas e mensagens de correio electrónico. Na noite de quinta-feira, depois do envio do mais recente comunicado à Lusa, o PÚBLICO voltou a tentar questionar o porta-voz por email, mas ainda não obteve resposta.

No comunicado enviado à agência Lusa na quinta-feira, o porta-voz afirma que o MNE "considera da maior importância o relacionamento entre os países da UE e do Mercosul" e salienta "a prioridade atribuída por Portugal à proximidade com a América Latina".

A nota refere ainda que o ministro dos Negócios Estrangeiros português convidou o seu homólogo da Bolívia, David Choquehuanca, a visitar Portugal "para breve".

Equador reúne-se com embaixadores
O ministro dos Negócios Estrangeiros do Equador reuniu-se, na quinta-feira, com quatro diplomatas, incluindo o embaixador de Portugal, chamados para consultas no âmbito da recusa de acesso ao espaço aéreo do avião do Presidente da Bolívia, noticiou a EFE.

Segundo o ministério equatoriano, a chamada para consultas corresponde às decisões de “apoio e solidariedade" para com Evo Morales, adoptadas pelos chefes de Estado do Mercosul. A nota reitera "a gravidade dos actos protagonizados pelos governos europeus, que puseram em risco a segurança e vida do mandatário boliviano".

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