Austrália fecha portas e envia candidatos a asilo para a Papuásia-Nova Guiné

A decisão entra em vigor nesta sexta-feira. O Governo diz que o objectivo é combater o tráfico de pessoas, mas os opositores da medida acusam o primeiro-ministro de "crueldade".

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O acordo foi assinado nesta sexta-feira entre os dois chefes de governo Aman Sharma/AFP

A Austrália anunciou que vai deixar de acolher os cidadãos estrangeiros que chegam à ilha de barco, em fuga dos seus países de origem. A partir de agora, e pelo menos nos próximos 12 meses, todas as pessoas nessa situação vão ser enviadas para a Papuásia-Nova Guiné.

A decisão, anunciada ao país nesta sexta-feira pelo primeiro-ministro, Kevin Rudd, foi bem acolhida pelo líder da oposição, Tonny Abbot, do centro-direita, mas está a ser fortemente criticada pelos Verdes e pelo antigo chefe do Governo Malcolm Fraser, também do centro-direita.

"Sei que é uma decisão radical. Sei que os vários grupos australianos e em todo o mundo vão interpretar esta decisão de formas diferentes", justificou Kevin Rudd, que assumiu as funções de primeiro-ministro e líder do Partido Trabalhista em Junho, depois de ter ganhado um confronto interno com Julia Gillard.

"A partir de agora, nenhuma pessoa que chegue à Austrália de barco em busca de asilo terá oportunidade de ser recebido na Austrália como refugiado", declarou o primeiro-ministro.

De acordo com o plano, todas as pessoas que cheguem à Austrália de barco serão enviadas para a Papuásia-Nova Guiné (PNG), onde a sua situação será avaliada pelas autoridades locais. As que obtiverem o estatuto de refugiadas, serão colocadas no centro de detenção da ilha Manus; as restantes serão consideradas ilegais e repatriadas para os seus países de origem. Em troca, o Governo da PNG irá receber apoios financeiros para um hospital e para o sector universitário, segundo os media australianos. O valor deste apoio financeiro não foi revelado.

Para o primeiro-ministro australiano, o acordo assinado com o seu homólogo da PNG, Peter O'Neill, tem como objectivo parar "o flagelo do tráfico de pessoas", mas os críticos da decisão acusam o Governo de Camberra de "crueldade".

"Um dia vergonhoso"
Para a líder dos Verdes, Christine Milne, o chefe do Governo australiano "ultrapassou Tony Abbot em crueldade", referindo-se ao líder da oposição, que classificou o aumento da chegada de refugiados ao país nos últimos meses como uma "invasão silenciosa".

"É um comportamento pavoroso da nossa nação. O que isto diz ao resto do mundo é que a Austrália é um país muito rico, mas que se prepara para varrer o problema para um país muito pobre, tudo porque um primeiro-ministro não tem coragem nem autoridade moral para tomar uma atitude correcta em relação aos refugiados", disse Christine Milne, citada pelo site da estação pública Australian Broadcasting Corporation (ABC).

"É um dia vergonhoso", afirmou a líder dos Verdes.

O antigo primeiro-ministro Malcolm Fraser, do Partido Liberal, foi ainda mais longe nas acusações: "Dizer que a Austrália não vai dar assistência a estas pessoas em nenhuma circunstância é uma afirmação substancial – é uma alteração dos valores da Austrália. Considero que a Austrália está a abdicar das suas responsabilidades, está a abdicar de posições humanitárias essenciais."

O activista dos direitos humanos David Manne revelou-se surpreendido com a decisão. "Estou surpreendido a muitos níveis. Em primeiro lugar porque a Austrália, ao ter assinado a convenção sobre o estatuto dos refugiados, em 1954, comprometeu-se a proteger as pessoas que cheguem às suas costas e a não as expor a riscos maiores em outros locais", disse o activista à ABC. David Manne lembra que a Austrália "dá asilo a apenas 0,3% dos refugiados de todo o mundo" e acusa o país de "não apenas impedir a chegada de pessoas que querem pedir asilo, como propõe passar as suas responsabilidades para outros".

"Peso no Orçamento"
O número de pedidos de asilo no país tem aumentado nos últimos 18 meses – principalmente de pessoas que fogem do Iraque, do Irão, do Sri Lanka, do Afeganistão ou do Bangladesh em condições extremamente precárias, muitas das quais acabam por morrer durante a viagem –, o que tem resultado num "enorme peso para o Orçamento" do país, argumenta o primeiro-ministro. Através do acordo com a PNG, Kevin Rudd espera que "o número [de refugiados] vá descendo com o passar do tempo, o que aliviará o peso no Orçamento".

O acordo entre a Austrália e a Papuásia-Nova Guiné inclui também um investimento de Camberra na ilha Manus, particularmente para a melhoria das condições do centro de detenção e acolhimento de refugiados – o objectivo é aumentar a capacidade de 600 para 3000 pessoas.

O director do Instituto de Negócios Estrangeiros na PNG, Paul Barker, acusa o Governo de Port Moresby de ter assinado o acordo para "proporcionar oportunidades aos serviços de distribuição de alimentos e de segurança" numa província "remota". "Não é uma iniciativa popular. A maior parte da Papuásia-Nova Guiné tem outras coisas em que pensar. A maioria da população está preocupada em ter rendimentos e sobreviver. Mas este é um problema australiano. Por que é que a Austrália deve exportar os seus problemas para a Papuásia Nova-Guiné?", questionou o responsável.

Desde o ano passado, todas as pessoas que chegam à Austrália de barco são enviadas para a Papuásia-Nova Guiné e para Nauru, para as suas situações serem analisadas. A diferença do acordo anunciado hoje é que nenhuma dessas pessoas poderá ficar na Austrália, mesmo que obtenham o estatuto de refugiadas.
 
 

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