Uma amarela a prazo

Claudio Chiappucci ganhou dez minutos na primeira etapa de 1990 e quase surpreendeu Greg LeMond.

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LeMond ganhou pela terceira e última vez o Tour em 1990 Eric Gaillard/Reuters

Ninguém esperava a repetição do drama do ano anterior, quando a Volta à França foi decidida nos metros finais dos Campos Elísios. Mas a edição de 1990 teria o mesmo ingrediente de suspense. Única diferença: a perseguição da amarela duraria três semanas. E tudo porque os candidatos quiseram preservar as pernas no primeiro domingo. Com um contra-relógio por equipas de 45kms marcado para a tarde, o pelotão oferece dez minutos de vantagem a um quarteto na etapa da manhã. E nos próximos 20 dias quase se arrependia do seu desleixo.

Um dia depois do prólogo inicial, o livro do percurso da Grande Boucle indica jornada dupla para descontentamento do pelotão. Uma etapa de manhã significa pouco tempo para recuperar para a da tarde. Mas para Steve Bauer, os 138kms matinais representam uma oportunidade. "Quando tens um contra-relógio por equipas durante a tarde, não tens o mesmo empenho por parte das equipas de manhã". A táctica do canadiano era simples: "Atacar e esperar que não houvesse lugar a uma grande perseguição", explicou depois.

Bauer é o primeiro a sair do grupo. Na roda leva Frans Maasen, Ronan Pensec e um desconhecido Claudio Chiappucci. A diferença é pequena, não ultrapassa os 30 segundos durante 20 ou 30 quilómetros. O pelotão consegue ver o quarteto, mas não o alcança. Ninguém quer assumir a perseguição, que só ganha forma quando a vantagem chega aos 15 minutos.

O pelotão, aflito, apenas conseguiu limitar os danos. Corta a meta 10m35 depois dos fugitivos. Quarto na geral em 1988, Bauer torna-se rapidamente o principal favorito à vitória final. Pensec também pode ser perigoso. Bom trepador, foi sexto em 1986 e sétimo em 1988. Maasen e o desconhecido italiano são apenas dois nomes a desaparecer na montanha.

A primeira semana foi longa e difícil. Laurent Fignon, segundo em Paris um ano antes apenas por oito segundos, cai na etapa de Nantes. Dias depois, debaixo de uma chuva impiedosa, numa maratona de 301kms entre Avranches e Rouen, o francês volta a cair e vai para casa.

No primeiro contra-relógio individual, LeMond fracassa. O herói é Raul Alcala. E o mexicano passa, automaticamente, a ser falado como hipotético favorito. No entanto, ainda é Bauer que tem a amarela vestida.

Quando a corrida chega aos Alpes, o líder desfalece. "Talvez as montanhas fossem muito altas para mim naquele ano. Ter a camisola durante tanto tempo esgotou-me as energias". No Mont Blanc, Bauer entrega a liderança a Pensec. Alcala, acostumado a ser o outsider, explode. A performance do dia é de Chiappucci. O italiano sem currículo chega a nove segundos de LeMond e veste a amarela. Com sete minutos a separá-lo do vencedor do Tour 1989, começa a ser encarado como uma ameaça.

Havia apenas mais uma montanha a subir, em Luz-Ardiden, nos Pirenéus, e o contra-relógio final, em Lac-de-Vassivière, que o norte-americano conhecia bem, ao ter ganho aí em 1985. Depois do dia de descanso, a 13.ª etapa não se apresenta muito dura. Há meros 149kms a percorrer, com uma única contagem de segunda categoria. Inconformado com a distância que o separa da sua segunda amarela, LeMond instiga os seus companheiros a atacar na esperança de apanhar Chiappucci desprevenido.

Pensec, outro valente da primeira etapa, salta do pelotão e obriga a equipa Carrera a perseguir. Quando finalmente é apanhado, já os italianos estão cansados e sem capacidade para responder. O líder está por sua conta. "Faltava-me experiência e amigos na corrida". LeMond ataca e leva consigo outros candidatos, conseguindo rapidamente uma margem confortável. Quando Chiappucci corta a meta, cinco preciosos minutos tinham-se evaporado.

Com o maillot jaune seriamente comprometido, o italiano recusa-se a desistir. Na etapa decisiva, um gigante de 215kms com incursões no Aspin e no Tourmalet, ataca. O pequeno contratempo torna-se uma grande irritação para LeMond. Embora a vantagem não ultrapasse os dois minutos, os objectivos do norte-americano começam a estar seriamente comprometidos. Chiappucci é apanhado apenas no sopé de Luz-Ardiden. Na subida, o vencedor em título acelera e parece ter a amarela garantida. Combativo como poucos, o primeiro da geral segue ao seu ritmo e, no topo, salva a liderança por apenas cinco segundos.

Foram precisas 15 etapas para LeMond recuperar 10m30. Tinha agora cinco dias e um contra-relógio para anular a ínfima vantagem. Mas o norte-americano não estava disposto a esperar. Na 17.ª etapa, que liga Lourdes a Pau, com uma longa descida até à meta depois de passagens no Aubisque e no Col Marie-Blanque, decide testar as forças de Chiappucci, enviando para a frente de corrida vários companheiros de equipa. Mas o plano estava sujeito a imprevistos. Fura na subida e, lívido, vê o italiano atacar, sem respeitar pelo código de cavalheiros existente no pelotão.

Chiappucci resistia de amarelo. Faltava o "crono". O ciclista de 27 anos é o último a partir. À sua frente saiu LeMond. As qualidades de contra-relogista do norte-americano não lhe falham. Não ganha a etapa, mas ganha 2m11 ao italiano. A um dia do final, Chiappucci perde a amarela que tanto lhe custou a defender. Nos Campos Elísios, sobe ao pódio para um segundo lugar que seria o maior feito da sua carreira.
 

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