As lágrimas de Pascal Simon

O francês correu mais de uma semana com uma omoplata partida. Tudo para segurar a camisola amarela, mas não conseguiu

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Pascal Simon não resistiu às dores DR

Antes mesmo do arranque, a Volta à França de 1983 prometia ser diferente. Bernard Hinault, eternamente perturbado pelo seu joelho direito, não alinhava à partida. Oportunidade única ou tragédia? Para uns, os adeptos franceses, era a condenação à orfandade do seu grande campeão, para outros, os homens do pelotão, estavam abertas as portas para uma amarela que seria, quase fatalmente, do vencedor de quatro das cinco edições anteriores.

O Tour da transição seguia a sua marcha mais aberto do que nunca, até pela inclusão da equipa "amadora" Colombie-Varta, com uma interminável lista de favoritos. Grande atracção da Grande Boucle nesse ano, os colombianos foram a sensação da etapa-rainha, entre Pau e Bagnères-de-Luchon, com passagem pelo Aubisque e o Tourmalet.

Os trepadores sul-americanos baralharam as cartas, redistribuíram o jogo da classificação geral e entregaram a Pascal Simon a primeira amarela da sua carreira. A França pensa ter descoberto o digno sucessor de Hinault na fina figura do francês de 27 anos, líder com 4m22s de vantagem para os perseguidores.

Feliz dentro da sua nova camisola, confortável no papel de grande favorito à vitória final, Simon parte para a 11.ª etapa ainda sob o efeito letárgico do amarelo. O despertar chegaria com crueldade. Quarenta quilómetros depois da partida, em Luchon, os corredores atrapalham-se e uma queda acontece. O alerta: o camisola amarela está no chão, maltratado.

Entre a incredulidade e a raiva, a responsabilidade de liderar a maior corrida do mundo fá-lo levantar-se, montar a sua bicicleta e sofrer até Fleurance, no Gers. "Estava muito mal. Pensei que não chegaria a Fleurance. Teria chorado."

Cortada a meta, é imediatamente levado para o hospital, onde o diagnóstico é claro e severo: fractura da omoplata e rompimento dos tendões das costas. Do Céu ao Inferno, com apenas um dia de intervalo. O Tour, o ponto de encontro dos sonhos mais profundos de Simon, foi capaz da maior das crueldades. Naquelas condições, e com o Maciço Central e os Alpes a transpor, os médicos aconselham o abandono.

Orgulhoso, o francês enfrentou com tenacidade a sua sorte, trocando a glória pelo sofrimento. Decisão? Não desistir. A 12 dias da chegada a Paris, a sua missão parecia impossível. "O nosso médico disse-me que podia manter-me, certamente para me levantar o moral. Dada a natureza da lesão, não sei como conseguirei acabar o Tour." E para que não restassem dúvidas quanto à sua esperança de chegar a Paris, colocou as probabilidades em "1%, não mais".

Começava então um verdadeiro calvário de uma semana, na qual Simon, enfiado no seu maillot jaune, sofreu visivelmente. Etapa após etapa, subia ao pódio para ser aplaudido por um público emocionado com a sua coragem. Mas até os poucos momentos de glória reservados ao patrão do Tour desapareceram, com o líder a ser dispensado da cerimónia protocolar.

"Sofri como não é permitido sofrer. Não conseguirei aguentar muito mais tempo. Um dia, dois." E ainda faltava o troço cronometrado de Puy-de-Dôme e os Alpes.

Simon sobreviveu ao Maciço Central, no contra-relógio, debaixo de um sol pesado, salvou a amarela. "Com um minuto de atraso depois de oito quilómetros, sabia que estava ao meu alcance. O Fignon não podia ganhar-me mais de dois minutos no resto do percurso. Mas passei um dia horrível. Se ainda tenho esta camisola é devido ao público, senão já teria quebrado."

A 18 de Julho, exactamente uma semana depois da sua queda, a Grande Boucle entra nos Alpes, com o Alpe d'Huez como primeiro destino. O seu perseguidor, Laurent Fignon, está a 40 segundos. Poucos quilómetros depois da partida da 17.ª etapa, na subida de Table, Pascal Simon sai da bicicleta. As dores superaram-no. Em lágrimas, deixa a corrida e a camisola – é Fignon, de 23 anos, que a veste, lá no alto, para não mais a largar até Paris.

É o fim do sonho, mas também do calvário. O ciclista francês perde a oportunidade de uma vida. Hoje, olhando para trás, Simon acredita que esse Tour teria sido seu. "Diria que sim. Ainda faltavam os Alpes, mas, com quase cinco minutos de vantagem, era possível, porque me sentia bem nas montanhas, geria bem os meus esforços e vigiava os meus adversários. Honestamente, era concretizável." Depois desse ano, nunca mais voltou a vestir o maillot jaune.
 

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