Professores portugueses são dos que mais tempo passam a dar aulas

Salários dos docentes em Portugal subiram mais do que a média, até 2011. Relatório da OCDE diz que desafio do país ainda continua a ser melhorar níveis de escolaridade.

Em Portugal, os professores do secundário dão mais 110 horas de aulas por ano do que a média da OCDE Cláudia Ribeiro/NFactos

Entre 2005 e o ano lectivo 2010/2011, o aumento dos salários dos professores portugueses — 12% — foi superior ao registado nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) — apenas 3%. Mas o número de horas lectivas também cresceu significativamente em Portugal. Os professores do secundário, por exemplo, passam 774 horas por ano a ensinar alunos, mais 110 horas do que os seus colegas dos outros países. Já o tempo que têm para se dedicar a tarefas não lectivas — como avaliar os estudantes ou preparar lições — é inferior à média.

O relatório anual da OCDE sobre Educação — o Education at a Glance (pdf disponível em inglês) — é um retrato dos sistemas educativos de mais de 40 Estados (incluindo alguns que não fazem parte da organização, mas integram o G20). A última edição foi divulgada esta manhã. O documento mostra os progressos feitos nos últimos anos em matéria de escolarização, quais as condições de trabalho dos professores, quanto investem os Estados no ensino, como aprendem os alunos. E o impacto da crise em vários destes indicadores.

Revela, por exemplo, até que ponto compensa ter um diploma superior — em Portugal o prémio já foi maior (desceu 8% entre 2004 e 2010), mas, mesmo assim, este continua a ser um dos países onde mais se valorizam os estudos, já que um trabalhador com um “canudo” pode esperar ter um salário 70% superior ao do colega que não tiver ido além do secundário, diz a OCDE na sua análise à situação específica de Portugal.

Mais: se se tiver em conta um indicador que calcula o investimento pessoal na formação e o ganho que se pode obter ao longo da vida, na sequência da conclusão de um curso universitário, Portugal destaca-se por ser aquele onde o benefício económico bruto é mais elevado no caso das mulheres. Elas podem aspirar a receber mais 134 mil euros ao longo da sua vida de trabalho do que as que têm apenas o secundário.

Este “Olhar sobre a Educação” mostra ainda como o desafio, para os portugueses, “continua a ser combater os baixos níveis de escolaridade” da população, nas palavras usadas pelos peritos da OCDE. Isto, apesar de todos os progressos feitos. E foram muitos.

Portugal estava em 2011 entre os cinco países da organização com a maior proporção de adultos entre os 25 e os 64 anos sem o ensino secundário completo (65% da população, em contraste com os 25% da OCDE). Mesmo na faixa etária mais jovem (25-34 anos), apenas 27% dos portugueses tinham um curso superior, contra 39% na OCDE e 36% na União Europeia. Pode parecer pouco animador, mas revela, ainda assim, um enorme progresso: dez anos antes, apenas 13% dos jovens portugueses tinham um diploma de uma universidade ou politécnico.

Mais trabalho? Menos trabalho?
Mas numa altura em que as condições de trabalho dos docentes estão na ordem do dia — os professores recusam um aumento do horário de trabalho —, retomemos os indicadores que remetem para as condições laborais da classe.

Horários de trabalho, em primeiro lugar. De 2005 para 2011, o “tempo dedicado ao ensino” a que os docentes estão obrigados em Portugal aumentou significativamente — mais 65 horas por ano nas escolas primárias, mais 210 por ano no 3.º ciclo, mais 265 no secundário.

Diz ainda o relatório que os professores portugueses das escolas públicas passavam, em 2011, mais horas a ensinar os alunos do que a média dos docentes da OCDE — o que é verdade em todos os níveis de ensino não superior, com excepção do pré-escolar. No básico (1.º e 2.º ciclos), por exemplo, são 880 horas por ano (em Portugal) contra 790 (média OCDE).

Para a OCDE, as “horas de ensino” são definidas como o tempo passado a ensinar “um grupo ou uma turma de alunos”, excluindo, portanto, o tempo destinado a outras tarefas dentro ou fora da escola. As alterações ao Estatuto da Carreira Docente, que entrou em vigor em 2007, e os vários despachos que alteraram a organização do ano lectivo de então para cá ajudarão a explicar por que razão passam hoje os professores portugueses mais tempo na sala de aula do que há uns anos. Mas o que se passa com os horários quando se olha para o total de horas regulamentares de trabalho — incluindo a chamada "componente não lectiva"?

O cenário muda de figura. Segundo o relatório, o horário total de um professor de uma escola pública em Portugal (soma da componente lectiva e não lectiva) são 1508 horas por ano, quando a média da OCDE ronda as 1670 e a da União Europeia as 1600. Os docentes portugueses têm um horário de trabalho menor — superior, ainda assim, que ao praticado em Espanha (1425 horas), mas bem menos pesado que a dos professores suecos, por exemplo (1767 horas).

A OCDE nota que o facto de a componente lectiva representar nalguns países uma grande fatia do horário dos professores pode significar “menos tempo dedicado a tarefas como avaliar os alunos ou preparar lições”. Não se refere especificamente a Portugal neste ponto. Mas os números mostram que, em Portugal, 51% do tempo regulamentar de trabalho dos professores do secundário é dedicado a dar aulas, quando a média da OCDE é 39%.

Os salários e as turmas
O relatório apresenta vários cálculos a partir dos salários médios dos professores ao fim de 15 anos de carreira (salários brutos, anuais). E conclui o seguinte: na última década, esta classe profissional viu, na generalidade dos países da OCDE, a sua remuneração subir. Até que veio a crise e, entre 2009 e 2011, ela baixou, em média, 2%.

Em Portugal, os cortes fizeram-se sentir mais tarde — em 2009, ano de eleições, os funcionários públicos ainda foram aumentados, pela mão de José Sócrates. Os dados apresentados pela OCDE dizem respeito ao ano lectivo de 2010/2011 e a função pública só sofreu cortes em 2011.

Nesse ano, então, um professor do 3.º ciclo com 15 anos de experiência ganhava, na Estónia, o equivalente a cerca de 15 mil dólares ano (11.459,50 euros), brutos. O país onde melhor se pagava era o Luxemburgo — o equivalente a 100 mil dólares. Em Portugal, o salário era de 39.424 dólares anuais, menos do que a média da OCDE (39.934/ano).

Nota importante: estes valores que comparam os países são apresentados em paridade de poder de compra — de forma a eliminar os efeitos das diferenças nos níveis dos preços entre países. Têm também em conta apenas os salários brutos pagos a professores com qualificação mínima (nalguns países mais qualificações para além da licenciatura podem traduzir-se num acréscimo salarial) e excluem os salários dos professores contratados, bem como os salários pagos no sector privado.

O relatório mostra ainda que só no início da carreira e, no outro extremo, no topo da carreira, o salário de um professor português é, em geral, superior ao da média da OCDE (é mais baixo apenas nos escalões intermédios). É preciso notar, contudo, que o topo da carreira é actualmente constituído pelo 10.º escalão — criado pela ex-ministra Isabel Alçada e nesse escalão ainda não se encontra nenhum professor, não sendo claro, no relatório, o que se entende por topo da carreira.

Mais matemática
Os peritos da OCDE lembram, por fim, que os salários dos professores representam a maior fatia da despesa dos Estados com Educação. “E têm um impacto directo na atractividade da profissão”, como o têm indicadores como o tamanho das turmas. Numa altura em que vários governos, para fazer face à crise, se sentem pressionados a reduzir a despesa pública, o documento deixa um alerta: os níveis salariais e as condições de trabalho “são importantes para atrair e manter professores competentes e altamente qualificados” nas escolas, pelo que “os decisores políticos devem ter em atenção os salários dos professores de forma a garantir, ao mesmo tempo, qualidade do ensino e orçamentos sustentáveis”.

No que diz respeito ao número de alunos por professor, Portugal está acima da média da OCDE apenas no pré-escolar (com 16 crianças por educadora contra 14 na OCDE). Já no secundário, a média da OCDE é de quase 14 alunos por professor contra apenas 7,7 em Portugal. Dados, uma vez mais, de 2011.

Também as turmas eram mais pequenas em Portugal no ano lectivo de 2010/2011 (entretanto o número de alunos por turma aumentou, por decisão do actual ministro da Educação). No ensino básico, por exemplo, nas escolas públicas, havia, em média, 19 alunos por turma contra 21 na OCDE.

Como passam os alunos o seu tempo na escola? Esta é outra das perguntas a que o relatório procura dar resposta. A OCDE calculou o número de horas de instrução que é esperado que um aluno cumpra até concluir o equivalente ao 9.º ano português. A média da OCDE é 7751 horas, no total, incluindo este montante actividades obrigatórias (sobretudo) mas também outras. Portugal está acima desta média, com mais de 8000 horas.

A forma como este período de formação é distribuído pelas diferentes disciplinas e actividades varia de país para país. Por exemplo: os portugueses dedicam mais tempo à “leitura, escrita e literacia” (27% do total de horas obrigatórias que fazem parte do currículo) e Matemática (23%) do que a generalidade dos países (a média da OCDE é, respectivamente, de 26% e 17%).
 
 

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