E depois da greve?

A greve geral dos professores alcançou os objetivos que pretendia: suscitou uma grande adesão da classe profissional e mostrou que o Ministério da Educação e Ciência (MEC) não pode organizar um serviço de exames equitativo e universal contra a vontade e colaboração dos professores. Não adianta agora voltar a agitar bandeiras sobre de quem é a culpa e a inflexibilidade. Os factos são estes: para que o sistema educativo possa funcionar não basta ter um ministério, é preciso contar com os professores.

A questão agora é o que vem a seguir. O ministério vai, claro, remarcar os exames, os alunos vão fazê-los e pode parecer que tudo fica em ordem. Mas temos várias perguntas sobre o “day after”, o que virá a seguir a 17 de Junho:

a) As mudanças que se davam como certas para a carreira docente, nomeadamente o horário de 40 horas e a requalificação, como vão prevalecer? Parece óbvio que este insucesso do MEC se ficou a dever, pelo menos parcialmente, ao facto de ter de assumir as medidas restritivas da troika durante o primeiro semestre. Os professores sabem que é frequente que saia legislação sobre educação em Julho e Agosto. Assim, os governos poupam alguma contestação vinda dos professores em férias. Desta vez, e por pressão da sétima avaliação da troika, isso não foi possível. A pergunta “É provável depois de todo este doloroso processo que os professores possam ter um estatuto diferente do resto da função pública?

b) A Educação tem alguma especificidade face a outros setores profissionais? Esta é que questão que ligada à anterior pode permitir o avanço das negociações. A Educação tem, sem dúvida, uma especificidade que deveria ser considerada. Dou alguns exemplos: o grande desgaste que implica o contacto semanal com várias centenas de jovens, a nova vocação da escola que não se encontra suficientemente alicerçada, a colaboração com diferentes grupos de trabalho, a planificação, a individualização, etc. etc. Ser professor não é o mesmo que ser médico ou escriturário. Tem uma especificidade que deve ser considerada. Devia ser oferecida uma semana de profissão docente às pessoas que acham que os professores são muito beneficiados...

c) E a política? Qual é o “day after” político desta posição do MEC? Não vale a pena escamotear que se trata de um insucesso. Um Governo que recruta tudo o que pode, que procura influenciar todos os atores, que recruta todos os professores, ao não conseguir os seus objetivos que tem para nos dizer? Que “foi a greve foi um insucesso?”, que “a culpa foi dos sindicatos?”. Talvez diga mas não é credível. Parece inevitável que haja consequências políticas das lanças partidas neste combate.

Uma palavra final para os professores. Não ouvi muitas opiniões sobre isto… Parece que os professores estão felizes face ao sofrimento e a deceção de tantos dos seus alunos. Alunos nos quais eles puseram o melhor que sabem fazer e com que trabalharam com dedicação, competência e amor. Os professores para lá da decisão dolorosa de fazer greve tiveram ainda de enfrentar o terrível dilema de parecerem com traidores aos alunos que ensinaram. Por isso este processo é mais nobre: perde-se dinheiro, arrisca-se a reputação por uma causa que é maior: a defesa de uma educação de qualidade. Talvez a única janela de onde o nosso país possa descortinar a saída desta infeliz situação em que está.

David Rodrigues é professor universitário e é presidente da Pró–Inclusão Associação Nacional de Docentes de Educação Especial. Escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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