Dos amigos

Esta crónica é sobre os amigos e a importância de os ter quando a família fica na posição de partida. Percebi-o há poucos anos: a amizade é o maior dos bens. O desabafo não é só lamechas, como também verdadeiro

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tsmyther/Flickr

Percebe-se pelo título que este texto é sobre a amizade. Esta crónica é, por isso, sobre o Alberto, a Vera — obrigado por teres tirado as salsichas do meu frigorífico, um ano depois — a Ana, a Helga, a Vânia, o Cunha, a Milu — cachupa guisada todos os dias, sim? — e todos os outros. Esta crónica é sobre os amigos e a importância de os ter quando a família fica na posição de partida.

Percebi-o há poucos anos: a amizade é o maior dos bens. O desabafo não é só lamechas, como também verdadeiro. Nem sempre fui um tipo de conversa fácil. Ainda hoje continuo a sentir-me desconfortável em ambientes que me são estranhos e disfarço-o com um humor mais ou menos sarcástico.

A constatação pode soar estranha, vinda de um sujeito que vive há cinco anos fora de Portugal, mas a verdade é que tenho uma dose de viajante solitário que cultivo desde as primeiras idas ao estrangeiro.

Costumava resumir as minhas amizades a alguns colegas de estudo e trabalho. A situação de emigrar, primeiro, e de viver sozinho, mais tarde, fizeram-me mudar de perspectiva.

Quando chegamos a um novo destino, cabe-nos a nós o papel principal na integração. Devemos aceitar as diferenças culturais e as particularidades da comunidade que nos recebe. Aquilo que nos une pode muito bem ser aquilo que, à primeira vista, nos separaria.

Claro que quem recebe nem sempre o sabe fazer e esquece-se que lá longe estão conterrâneos seus à procura das mesmas oportunidades. Ainda assim, na maior parte das vezes, o problema é de quem, recomeçando, acha que o pode fazer sem reformatar ideias.

A melhor forma de reiniciar a vida é não ter de o fazer sozinho. Somos aventureiros. Deixamos tudo e entregamo-nos, verdadeiramente, a um novo começo. Podemos ter a ideia de voltar, mas nem sequer nos levamos muito a sério nesses pensamentos.

Para o definitivo ou temporário, o melhor é ter companhia. Outros emigrantes são um bom início. Com o tempo, se estivermos disponíveis para isso, juntamos às amizades originais as que vamos construindo e, não raras vezes, um amor (ou vários, de acordo com as opções de vida de cada um).

Uns e outros serão os nossos braços direitos. Quando estivermos doentes, eles é que vão telefonar. Se as coisas nos correm bem, é com eles (e com uma cerveja) que celebramos. Se correrem mal, será com eles que desabafaremos.

Por cá, nas paródias que fazemos — e tudo serve de pretexto para acender a grelha — juntam-se na mesma casa, que pode ser a de qualquer um, cabo-verdianos, italianos, espanhóis, portugueses e, às vezes, um mandinga que aparece para comer.

Não tenho muita coisa. Mas enquanto tiver a gargalhada contagiante da Cristina, os cozinhados do Elvis e até as dúvidas existenciais do Adriano, estou tão bem como imagino ser possível um gajo estar.

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