Primeiro centro português de ensaios clínicos dedicado à fase inicial nascerá em 2014

Coimbra acolherá o centro no Hospital dos Covões, onde se testará a segurança de novos medicamentos em pessoas saudáveis.

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O obejctivo é testar no centro a segurança de medicamentos em desenvolvimento Paulo Ricca/Arquivo

A burocracia necessária e a morosidade dos processos têm dificultado que Portugal seja visto como um país onde investir em ensaios clínicos. Mas nesta semana o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) anunciou que pretende lançar já em 2014 o primeiro centro de ensaios clínicos de fase I no país e que funcionará no Hospital dos Covões.

“Com este projecto, os nossos doentes vão poder ter um acesso mais precoce a terapêuticas e dispositivos médicos inovadores, sem que isso represente qualquer encargo para eles ou o erário público”, resumiu ao PÚBLICO o presidente do conselho de administração do CHUC, José Martins Nunes.

Este tipo de centros são comuns nos melhores hospitais da Europa e em Portugal faltava dar este passo de forma centralizada, referiu José Martins Nunes. Isto porque os ensaios de fase I representam precisamente o arranque do estudo da segurança dos medicamentos em desenvolvimento e que são testados em pessoas saudáveis. Nesta fase, a primeira que pode ser conduzida em seres humanos, é estudada a segurança de determinadas moléculas para desenvolvimentos futuros, mais do que propriamente a sua eficácia – mas acaba por se abrir uma porta quando a inovação termina num produto.

O administrador hospitalar afirma, numa resposta por escrito, que o centro de fase I vem completar a oferta, uma vez que “o CHUC já faz desde há muitos anos ensaios clínicos de fase II, III e IV”. O centro está a ser desenvolvido em parceria com a Quintiles, uma empresa líder a nível global na investigação clínica, e conta também com várias farmacêuticas e empresas.

Atrair inovação sem mais custos
José Martins Nunes acredita que o centro dará aos CHUC “uma maior visibilidade nacional e internacional no âmbito da investigação clínica”.“Com esta nova estrutura um número cada vez maior dos nossos doentes passará a dispor das mais recentes inovações em termos de medicamentos, dispositivos médicos e tecnologias de saúde, sendo acompanhados por equipas de investigação altamente diferenciadas e experientes, garantindo o rigoroso cumprimento das normas éticas e deontológicas. Tudo isto sem custos acrescidos para o doente e para o erário público”, assegura ainda.

Questionado sobre as dificuldades que muitas entidades apontam a Portugal para dar início a ensaios clínicos – com autorizações a chegarem quando muitas vezes o trabalho já foi concluído noutros países –, Martins Nunes defende que “a Comissão de Ética para a Investigação Clínica (CEIC) e o Infarmed também têm vindo a melhorar a sua rapidez de autorização dos ensaios clínicos”.

Número de ensaios sobe em Portugal
A aposta de Coimbra surge numa altura particularmente difícil em termos financeiros, já que em 2012 o orçamento para os laboratórios associados, as unidades de investigação e os laboratórios do Estado foi de 74,5 milhões de euros, sendo que no Orçamento do Estado para este ano a verba baixou para perto de 65 milhões de euros. Apesar da conjuntura, os últimos dados da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) indicam que, em 2012, houve em Portugal 118 pedidos de autorização de ensaios clínicos, tendo 99 luz verde. Para a realização de um ensaio clínico, é necessária autorização do Infarmed e um parecer favorável da CEIC.

Os números do Infarmed revelam uma inversão da tendência de queda dos pedidos e das autorizações. Em 2011, por exemplo, só tinham sido feitos 88 pedidos, com 87 aprovados. No entanto, os ensaios de fase III (que comparam a segurança, eficácia e o benefício terapêutico de um novo medicamento com outros ou com um placebo) continuam a representar uma esmagadora maioria. O país tem mais dificuldade em atrair ensaios tanto na fase mais inicial, a I, como na fase em que os produtos já estão no mercado, a fase IV – devido a algum atraso na resposta, no primeiro caso, e à demora na chegada do medicamento ao mercado e se ele é comparticipado, no segundo caso.

A melhoria dos resultados coincide com o ano em que o próprio Infarmed lançou Plataforma Nacional de Ensaios Clínicos, que pretende precisamente disponibilizar mais informação aos interessados e facilitar o contacto entre as várias entidades. Ao todo, estima-se que estejam a decorrer mais de 300 ensaios clínicos no país. A área de maior aposta continua a ser a oncologia, que acolhe 40% do total de ensaios, seguindo-se as doenças infecciosas com 11% e as patologias relacionados com o sistema nervoso também com 11%.

Neurociências, cardiologia ou oncologia como apostas
Em relação a Coimbra, José Martins Nunes refere algumas das áreas em que se investirá: “Queremos consolidar a nossa posição de liderança em áreas como a neurologia e as neurociências, bem como a pneumologia, a cardiologia e o metabolismo, mas também apostar noutras especialidades menos exploradas até aqui, como a oncologia, as doenças raras, as doenças infecciosas e auto-imunes e o envelhecimento”.

Por isso, a par do lançamento do centro, o CHUC quer também criar um Centro de Responsabilidade Integrada dedicado à investigação clínica, com o objectivo de conseguir mais autonomia e flexibilidade para “adaptar os recursos técnicos e humanos às necessidades flutuantes” de cada projecto, diz José Martins Nunes. Aliás, foi em Coimbra que nasceu o primeiro centro do género, conduzido pelo cirurgião Manuel Antunes e dedicado à cirurgia cardiotorácica, área em que se tornou um exemplo.

“O que queremos é que os nossos investigadores disponham das melhores condições para fazerem investigação, sem perdas de tempo e com uma clara distribuição de tarefas que permita a maior eficiência possível. Toda a actividade do centro de ensaios será gerida no âmbito do Centro de Responsabilidade Integrada, que se articulará com os investigadores e os restantes serviços e unidades funcionais do CHUC.”

O anúncio da criação do centro surge também no mesmo mês em que o Conselho de Ministros aprovou uma proposta de lei sobre a investigação clínica em pessoas em Portugal. A proposta, segundo um comunicado, pretende que todos os trabalhos e ensaios tenham uma “aplicação transversal da avaliação ética e da transparência”. A mesma proposta prevê a criação de um Registo Nacional de Estudos Clínicos “com o objectivo de facilitar e desmaterializar a transmissão de informação no processo de autorização, acompanhamento e conclusão dos estudos clínicos, bem como incrementar o acesso e conhecimento sobre os estudos clínicos realizados em Portugal por parte da sociedade e da comunidade de investigadores e profissionais de saúde”.

Para José Martins Nunes, foi uma coincidência da data de apresentação do centro e de aprovação da proposta de lei. “Os responsáveis na área da saúde em Portugal compreendem hoje melhor a importância da investigação clínica para a melhoria dos cuidados de saúde prestados à população, para além de ser uma forma de reduzir os custos sem comprometer a qualidade da prestação de cuidados nem a segurança dos doentes.”

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