Em 73% dos partos “normais” as mulheres são cortadas na vagina

Taxa de episiotomias em Portugal é a segunda mais elevada na Europa, a seguir à de Chipre.

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Jorge Silva/Reuters

Em Portugal, quase um em cada três nascimentos implicou o recurso à cesariana em 2010 e 72,9% das mulheres que têm partos vaginais foram submetidas a cortes na região do períneo — a segunda taxa mais elevada da episiotomia (assim se designa esta prática) nos países europeus, logo a seguir à de Chipre.

 

Se na taxa de cesarianas e de episiotomias Portugal surge a vermelho no mapa europeu, em contrapartida está bem posicionado na maior parte dos indicadores de saúde materna, fetal e neonatal, no segundo relatório do projecto Euro-Peristat, o documento mais detalhado sobre saúde e cuidados a mulheres grávidas e crianças na Europa, nesta segunda-feira divulgado.<_o3a_p>

Reunindo dados de 29 países (todos os da União Europeia, excepto a Bulgária, além da Islândia, Noruega e Suíça), o documento de 250 páginas permite traçar vários retratos sobre o período anterior e posterior ao parto e perceber a evolução verificada desde 2004 (data dos números do primeiro relatório apresentado). Alguns exemplos: neste curto período, as taxas de mortalidade fetal, neonatal e infantil diminuíram cerca de 20% na Europa; e, na maior parte dos países, a prematuridade manteve-se constante ou decresceu, uma inversão da tendência que se verificava anteriormente, apesar de alguns factores de risco de complicações no parto terem aumentado. <_o3a_p>


Em Portugal, aconteceu o contrário: a prevalência de partos prematuros (antes das 37 semanas) cresceu, mas nos últimos dois anos parece estar a diminuir, apesar de estes dados não constarem no relatório. O recurso às episiotomias (cortes na região do períneo, entre a vagina e o ânus, para ampliar o canal do parto e evitar rasgões) diminuiu, mas pouco, quando comparado com a evolução verificada em Espanha — entre 2004 e 2010, passamos de uma taxa de episiotomias de cerca de 80% para 70%, quando em Espanha esta proporção diminuiu de 70% para 40%, no mesmo período. Esta é uma prática que visa evitar lacerações no períneo, mas que demonstrou ter efeitos secundários e que actualmente se tende a considerar excessivamente invasiva.<_o3a_p>

“Portugal fez, num período muito curto, um percurso no sentido da medicalização da gravidez e do parto”, recorda, em jeito de explicação para a evolução verificada no país Henrique Barros, coordenador nacional e membro do conselho científico do projecto Euro-Peristat. Em 1970, mais de metade dos partos no país aconteciam em casa, quando, em 2010, os partos no domicílio representavam menos de 1%. <_o3a_p>

O especialista da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto nota que alguns indicadores devem ser olhados com cautela. “Portugal tem, de facto, uma elevada taxa de cesarianas, mas é preciso ver que as lesões associadas a complicações durante o parto praticamente desapareceram”, exemplifica. “Ultrapassada a fase da sobrevivência [e dos indicadores quantitativos], agora é preciso apostar nos indicadores de qualidade. Ir mais além, saber como ficam as mulheres e as crianças [após o nascimento]”, defende.<_o3a_p>

Dados que faltam
O que este documento permite perceber sobre Portugal (há dados importantes que faltam, como os da proporção de mulheres que fumam durante a gravidez e a percentagem de grávidas obesas, lamenta Henrique Barros) é que as mães com mais de 35 anos passaram de 18% em 2004 para 22 % em 2010 e que o problema da gravidez na adolescência já tem uma expressão bem menos substancial (4% das mães tinham menos de 20 anos em 2010). Na mortalidade fetal, neonatal e infantil, as taxas continuaram a descer entre 2004 e 2010, colocando Portugal ao nível dos melhores na Europa.

Com tão bons resultados, agora é preciso garantir que não pioram e investir na melhoria da qualidade, mas para isso é necessário ter “dados mais sofisticados”. Para intervir no peso à nascença, exemplifica, “é conveniente apostar na diminuição das grávidas fumadoras”. “Se quisermos ter partos menos medicalizados, precisamos de mais gente, treinada de maneira diferente e com mais disponibilidade, defende Henrique Barros, que lembra que, “nos países nórdicos, por exemplo, há mais de 25 anos que as ecografias de rotina são feitas por parteiras”.
 
 
 
 

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