(Des)emprego a tempo inteiro

Ao contrário do que por aí se julga, estar desempregado é ter trabalho a tempo inteiro. O mail constantemente aberto, a ânsia de uma nova mensagem, as cartas personalizadas

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luxomedia/Flickr

Estou sem emprego há praticamente seis meses. O que não significa necessariamente que não tenha trabalho. Porque tenho – e muito. Ao que parece, só não há quem esteja disposto a pagar por ele. Argumenta-se a falta de meios, e eu acredito nela. 


Ao contrário do que por aí se julga (“então agora estás sem emprego, é só boa vida, podes fazer tudo o que te apetece!”), estar desempregado é ter trabalho a tempo inteiro. O mail constantemente aberto, a ânsia de uma nova mensagem, a busca por empresas que nos possam oferecer um posto, as cartas personalizadas, os CV enviados em catadupa e, por último, as respostas que chegam em forma de silêncio.


Para as empresas que recebem os nossos currículos recheados com experiência invejável, nada parece ser suficiente para uma resposta digna. É isso: ainda se as respostas fossem nãos concretos estaríamos todos mais descansados, mas não assim é. Em cada cem contactos, devo ter dez respostas. E estou a ser optimista.


É triste que a geração mais bem preparada seja a menos bem empregada. É triste que sejamos nós a competir por um lugar numa empresa quando era suposto que fosse o mercado de trabalho a competir pelos melhores trabalhadores. Tudo isto é triste. E não deveria ser fado nosso. Mas é.


Ao mesmo tempo, há os amigos, sempre a perguntar por novidades. É nessa altura que entra em acção o constrangimento. A palavra ‘desempregado’ torna-se tabu em si mesma. Ninguém a diz, menos eu – sinto-me o Harry Potter perante aquela história de se dizer Voldemort (“aquele cujo nome não deve ser pronunciado”) em público. Está-se “sem nada” ou “ainda não há notícias”. Os outros conhecem automaticamente o significado das expressões, em especial se forem acompanhadas pelo encolher de ombros número 16.


Nas notícias, vejo-me reflectido num número frio e sem significância real. Podemos ser não sei quantos por cento ou não sei quantos milhares, mas não temos rostos. Raramente parecemos ter a coragem de assumir que não temos quem nos remunere pelo que de melhor sabemos fazer. Pois bem: número não é igual a gente. E cada um daqueles algarismos representa gente de verdade, como tu ou eu, com gostos e hábitos e família e amigos e histórias próprias, de vida e do simples dia-a-dia.


Desempregados: desenvergonhem-se. Lutem ainda mais por vós, mais um bocadinho todos os dias. Fucem por uma oportunidade, ponham o pé na porta de quem não vo-la quer abrir. Mostrem que merecem respeito e confiança. Eventualmente, hão-de conseguir aquilo que mais querem, seja andar pelo País a fazer relatos de futebol, desenhar o próximo grande edifício de Tavira ou auditar empresas da região de Leiria.


Potenciais empregadores: consciencializem-se de que, em cada e-mail recebido, está uma pessoa de verdade, como um irmão ou um primo afastado vosso. Dignem-se, pelo menos, a dizer-lhe que não há trabalho disponível. Pelo menos isso. E, desde já, obrigado.

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