Homossexuais vão poder dar sangue no Canadá após celibato de cinco anos

Antiga lei proibia qualquer doação a todos os homens que tivessem tido relações homossexuais após 1977. Alteração é vista como um passo, mas período de espera gera críticas.

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Presidente do instituto apela à dádiva de sangue hoje e amanhã Nuno Ferreira Santos/Arquivo

Até agora todos os homens que tivessem tido relações homossexuais após 1977 estavam automaticamente proibidos de dar sangue no Canadá. O país decidiu agora alterar a lei de 1983 e permitir as doações por parte dos homossexuais, mas com uma excepção que está a gerar polémica: os dadores devem ter cumprido um período de celibato de pelo menos cinco anos.

O anúncio foi feito pelo Ministério da Saúde daquele país e a ideia é que a nova legislação entre em vigor já neste Verão, substituindo as anteriores regras que na prática vedavam a doação de sangue a todos os homossexuais, uma vez que punha como limite que a última relação sexual tivesse sido anterior a 1977 – uma data que está relacionada com a posterior identificação do vírus da imunodeficiência humana, tendo algumas pessoas sido infectadas através de transfusões de sangue por na altura não se realizarem os testes que se fazem actualmente.

A mudança, explica a AFP, partiu de uma proposta feita em Dezembro por duas organizações que recolhem sangue no Canadá. As associações apresentaram ao Ministério da Saúde vários dados científicos que demonstram que neste momento já é possível analisar qualquer dador de sangue em pouco tempo e com segurança, com o objectivo de detectar tanto o VIH como outras doenças.

O efeito perverso das restrições
Aliás, investigadores de vários países têm vindo a argumentar que estas restrições estão desactualizadas, tendo em conta os desenvolvimentos tecnológicos do teste para o VIH e que, além disso, há vários grupos com riscos e aos quais não são impostas restrições. O Reino Unido também só aboliu esta restrição em 2011, mas ela ainda vigora, por exemplo, nos Estados Unidos. Além disso, há estudos que mostram que a proibição de os homossexuais doarem sangue pode ter o efeito perverso de estes mentirem sobre as suas práticas sexuais.

Segundo o comunicado do Ministério da Saúde canadiano, o país é considerado pela Organização Mundial de Saúde como um dos locais com normas mais restritivas nesta matéria, mas a tutela está “convicta que a mudança não comprometerá a segurança do abastecimento de sangue”.

A vice-presidente dos Serviços Canadianos de Sangue, Dana Devine, citada por meios de comunicação canadianos, reconheceu que a mudança é uma evolução mas que, mesmo assim, não agradará a todos, esperando que com o tempo seja possível fazer novas alterações à legislação. “Estamos a trabalhar para tornar possível que outras pessoas possam vir a dar sangue, mas ainda não estamos onde poderíamos estar para este grupo de pessoas em particular”, disse. Ainda assim, Devine recordou que a abertura é um grande passo por exemplo para homens que tenham sido violados ou que tenham tido um único contacto com outros homens há décadas e que mesmo assim não podiam dar sangue.

O presidente da Gai Ecoute, um dos principais centros de apoio a gays e lésbicas do Quebeque, Laurent McCutcheon, disse à AFP que a mudança marca “um progresso” e que é “um passo no bom caminho”, apesar de lamentar que se continue a impor o celibato de cinco anos em vez de se avaliar o risco de qualquer dador em qualquer momento. Por exemplo, a um heterossexual com múltiplos parceiros apenas é exigido que adie a doação pelo período de um ano.

Alguma discriminação em Portugal
Em Portugal, apesar de a lei não excluir os homossexuais, têm vindo a público algumas denúncias de discriminação na hora de dar sangue. Por exemplo, no ano passado o Bloco de Esquerda comunicou um caso concreto ao Ministério da Saúde e o partido garantiu que muitos homossexuais continuam a ser impedidos de doar sangue. Na altura, o presidente do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), Hélder Trindade, assegurou que não há discriminação, mas afirmou que os estudos científicos indicam que o sexo entre homens constitui um factor de risco acrescido na transmissão de infecções, o que fundamenta a recusa de uma doação em casos particulares.

Em 2010, precisamente para se evitar a discriminação, após uma recomendação aprovada no Parlamento, foi retirada de todos os questionários entregues aos candidatos a dador a pergunta: “Sendo homem, teve contacto sexual com outro homem?” Desde 31 de Janeiro de 2008 que o Instituto do Sangue tinha em vigor um questionário que omitia qualquer referência relacionada com a orientação sexual, mas alguns locais ainda utilizavam manuais mais antigos e com essas questões.

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