Ninguém quer o regresso de Aznar à política

José María Aznar volta a agitar a política espanhola.

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Aznar agita PP com declarações polémicas Sergio Perez/Reuters

A entrevista tinha sido pedida por José María Aznar e os actuais dirigentes do PP pensavam que o ex-primeiro-ministro ia aproveitar para se defender dos casos de corrupção e financiamento ilegal que envolvem os últimos 20 anos da vida do partido. Aznar fez isso e mais: criticou duramente a governação de Mariano Rajoy, disse como faria diferente e não fechou a porta a um regresso.

Duas vezes lhe perguntaram, duas vezes ele respondeu. “Nunca rejeitei as minhas responsabilidades. Cumprirei com a minha responsabilidade, com a minha consciência, com o meu partido e com o meu país”, disse Aznar. Antes e depois acusou Rajoy de “castigar” a classe média e aconselhou-o a baixar os impostos e a usar “as ferramentas” da maioria absoluta para alcançar acordos.

O drama do desemprego, disse, “é inaceitável para uma pessoa com um mínimo de sensibilidade”. Sair da crise, defendeu, só será possível “oferecendo aos espanhóis um horizonte muito claro de esperança, não a resignação”. “Creio, como eleitor do PP, que estou numa situação muito parecida com a dos milhões de eleitores que gostariam de ver um projecto político muito claro”, afirmou.

Aznar ainda disse que não estava a acusar o Governo “de nada”, apenas a defender os seus “critérios” e “ideias”. Mas estes, acrescentou, “entram no mandato eleitoral do PP”.

Túnel dos horrores

“As coisas partem para não voltar e os tempos vão por outro caminho”, comentou Jesús Posada, ex-ministro de Aznar, actual presidente do Congresso. “Eu gostava de baixar impostos, as nostalgias melancólicas ficam para outro dia”, disse o ministro das Finanças, Cristóbal Montoro.

Do PP basco vieram as críticas mais frontais. O vice-presidente, Iñaki Oyarzábal, disse que Aznar sabe que o PP “apoia” as políticas de Rajoy e pediu ao ex-líder “lealdade”. “[O socialista Rodríguez] Zapatero consolida-se como o melhor ex-presidente do Governo”, ironizou no Twitter o porta-voz dos populares no parlamento basco, Borja Sémper.

A reacção da oposição, como se esperaria, foi no mesmo sentido. Para a vice-presidente do PSOE, Elena Valenciano, o possível regresso de Aznar é uma mistura de “túnel do tempo e túnel dos horrores”.

Sim, Aznar também falou do “caso Bárcenas” — a suspeita contabilidade paralela no partido usada para receber financiamentos ilegais e pagar somas “complementares” a dirigentes — e da chamada “rede Gürtel”, em que empresários terão oferecido presentes de luxo a líderes do PP em troca de contratos. Afinal, a entrevista à televisão Antena 3 aconteceu no dia em que o jornal El País escreveu que o empresário Francisco Correa, no centro do segundo caso, pagou parte da cerimónia de casamento da filha de Aznar. Correa dedicava-se à organização de eventos, disse Aznar; foi convidado e é “normal” que tenha oferecido um presente aos noivos.

São estes casos que cada vez mais enfraquecem Rajoy. Foi ele que nomeou Luis Bárcenas, o ex-tesoureiro que terá organizado a contabilidade paralela, lembrou no Congresso a porta-voz socialista Soraya Rodríguez, acusando o chefe de Governo de ser “o verdadeiro fio condutor” da “rede de financiamento ilegal”.

Com Rajoy vulnerável, alguns sectores do PP, escreve o Público espanhol, viram na entrevista de Aznar uma operação não para preparar o seu próprio regresso, mas para substituir o actual primeiro-ministro por alguém como Esperanza Aguirre. Como agora fez Aznar, no início do mês foi a presidente da comunidade de Madrid a pedir ao Governo para baixar impostos e aplicar o seu próprio programa eleitoral. 

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