E se o seu filho não for o seu filho?

Hirokazu Kore-eda volta a filmar a coabitação entre miúdos e adultos. Sem surpresas e com muitas perguntas ao espectador. O Jimmy P. de Arnaud Desplechin também não ficará na memória.

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Hirokazu dá às crianças um protagonismo enviesado DR

Teremos, então, de nos contentar com o facto de Ninguém Sabe (2004) ter sido o momento de graça cinematográfico de Hirokazu Kore-eda, que desde então nunca fez um filme para colocar ao lado desse em que havia um grupo de crianças entregues a si próprias, abandonadas pela mãe.

De cada vez que reencontramos o japonês reencontramos elegância, inegável, mas também música demasiado presente a marcar o momento para os sentimentos – e, sobretudo, a sensação de que se calhar o projecto cinematográfico não é mais importante do que uma experiência terapêutica.

Desde esse filme das crianças sós, Hirokazu começou a filmar a coabitação entre miúdos e adultos (Andando, de 2008, ou O Meu Maior Desejo, de 2011), o que se transmite de uns para outros e o que uns representam, como horizonte, para os outros. O que está desde logo presente no título do novo filme do realizador, Like Father, Like Son (este sábado na competição).

O que fazer quando, você que é pai, descobre que o seu filho afinal não é seu, foi trocado no hospital, e o seu foi criado com outro pai? É isto: Hirokazu nunca consegue fazer desaparecer da mente do espectador a sensação de que lhe está a apresentar uma situação para tratar das dúvidas e problemas que ela levanta.

Um casal com projecto de vida ambicioso descobre que o seu filho não é aquele que criou ao longo de seis anos, mas aquele que está com outro casal, que não tem um projecto de vida com essa ambição. Encontro das personagens com questões a servir de guia, tacteante, subtil, mas ainda em surdina um programa de perguntas e respostas para o espectador: O que é ser pai? O que é isso da “voz do sangue”? Como fazer? As personagens vão fazendo, vão aprendendo com a sua “primeira vez”. Hirokazu dá às crianças um protagonismo enviesado, porque embora o filme pareça centrado nas reacções e dilemas dos adultos, são elas que estimulam os “pais” a transcenderem-se. E é como tudo acaba: com uma espécie de conforto pelo bom comportamento, pela humanidade não ter sido atropelada.

De que falam Mathieu Amalric e Benicio del Toro ao longo de Jimmy P. (Psychothérapie d'un Indien des Plaines), de Arnaud Desplechin (competição)? Só eles sabem… Estes são os diálogos entre um antropólogo e psicanalista francês, Georges Devereux, e Jimmy Picard, um índio Blackfoot, desmobilizado da Segunda Guerra, que sofre de vertigens, cegueira temporária e perda de audição, e que, na ausência de causas fisiológicas, foi diagnosticado como esquizofrénico num hospital militar de Topeka, Kansas.

É uma história verídica: o filme baseia-se no livro que Devereux (Amalric), publicou em 1951, depois desse encontro com Picard (Del Toro), e que reflecte esse pujança do autor em direcção à compreensão total do humano – a sua base de estudos foram os índios Mohave, mas a direcção que Devereux imprimia às observações foi fazendo dele um excêntrico tolerado, demasiado freudiano para os antropólogos, demasiado etnólogo para os psicanalistas. A verdade é que Arnaud Desplechin nunca consegue que Jimmy P. (Psychothérapie d'un Indien des Plaines) deixe de parecer uma excentricidade (falhada) sua, algures entre o teatrinho de prestígio de Um Método Perigoso cronenberguiano e a revisitação das fundações americanas à la Paul Thomas Anderson de The Master – O Mentor. Diluindo-se completamente na irrelevância.

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