O mundo de Sofia Coppola mudou

Na história do bando de adolescentes The Bling Ring, que assaltavam casas de famosos em Hollywood, Sofia Coppola viu a oportunidade de dizer alguma coisa “sobre a cultura dos dias de hoje”.

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A realizadora Sofia Coppola (ao centro) com Emma Watson (à direita), Claire Julien, Taissa Farmiga e Katie Chang Reuters
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Sofia Coppola tem 42 anos Reuters
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Os actores Emma Watson, Claire Julien e Israel Broussard Reuters
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Emma Watson, uma estrela do universo Harry Potter Reuters

Sofia Coppola está mais velha, isso é bom. A mãe, Eleanor, dizia-lhe que ninguém iria gostar dela porque toda a gente iria pensar que era uma snobe e convinha por isso que saísse do seu mundo. Uma vez, ela, que devia suspeitar de alguma coisa, perguntou ao pai, Francis, se havia o perigo de ser "uma diletante". Sem querer adivinhar o que mudou no mundo (privado) de Sofia, deu para perceber, no Festival de Cannes, mudanças no cinema de Sofia.

Um perfil no Le Monde terminava com a expectativa de The Bling Ring, o seu novo filme, que abriu a secção Un Certain Regard, poder ser uma primeira vez: a primeira vez a exibir uma dissociação da realizadora face às suas personagens. Confirma-se. Sofia tem 42 anos.
 
Elas têm 17, vivem nos subúrbios de Hollywood e com um ardente desejo, que a reality tv alimenta, de fazerem parte de Hollywood. Através da Internet, acedem às moradas das estrelas, Lindsay Lohan, Orlando Bloom ou Paris Hilton, por exemplo, detectam os seus movimentos, sabem as horas em que elas estão ausentes das casas; e é essa a oportunidade para lá entrarem, mergulharem nos guarda-roupas, trazerem uma peça favorita — e, se for o caso, dali saírem, ao fim de duas horas, com o carro da vedeta.

Foi isso o que aconteceu na realidade entre 2008 e 2009. Paris Hilton foi assaltada umas cinco vezes. Os golpes desse grupo de adolescentes que ficou conhecido por The Bling Ring chegaram aos três milhões de dólares. Acabaram por ser apanhados, embora custe a acreditar — e vendo o filme custa a acreditar — que tamanho domínio e sofisticação das tecnologias tenha estado a par de uma enorme ingenuidade ou uma forma qualquer de esquecimento durante a fase de execução. Nem uma máscara, nem um par de luvas para impedir impressões digitais… E eram os primeiros a alardear os feitos no Facebook. Custa a acreditar que tivessem demorado tanto tempo a serem apanhados, mas é fácil de perceber que o roubo nunca foi o motivo, mas sim o facto de durante duas horas poderem viver outras vidas.
 
Foi um artigo na Vanity Fair, The Suspects Wore Louboutins, e o contacto com a autora Nancy Jo Sales –que forneceu a Sofia os materiais a que teve acesso, entrevistas com os implicados, registos do julgamento– que fizeram a base do argumento do filme. Sofia viu que havia a oportunidade para dizer alguma coisa "sobre a cultura dos dias de hoje". Sofia vê-se de um mundo à parte, como membro de uma espécie de aristocracia que acabou. Em contacto com a fama desde cedo — Cannes viu-a em criança, trazida pela mão do pai, Francis, para a apresentação dramática de Apocalypse Now —, amiga de designers, ela própria designer, casada com a pop, fashionista, vê-se pertencer a uma tradição diferente, que não a dos tablóides e da reality tv e do trash. Isso é claro no filme, que não disfarça um olhar "moral" sobre o "mundo de excesso" que tenta adolescentes, que se alimenta deles e que os alimenta — sim, tem qualquer coisa de filme de vampiros The Bling Ring.

A produção teve acesso à verdadeira casa de Paris Hilton, que tem, aliás, um cameo no filme. A vizinhança, exclusiva, não permitira a entrada de uma equipa de cinema, por isso essa fase da rodagem, com versão reduzida da equipa que incluiu o director de fotografia Harris Savides, no seu último ano de vida, teve um tom quase underground. Entramos no guarda-roupa de Paris: visão infernal. Sofia reconhece que "nunca tinha visto nada assim". E admite que face às personagens, interpretadas por miúdos desconhecidos, como Israel Broussard, Taissa Farmiga e Katie Chang, que tiveram de aprender a dizer correctamente "Dior", e por uma miúda estrela do mundo Harry Potter, Emma Watson, teve de se esforçar por criar qualquer coisa próximo da empatia. Esse caminho da antipatia inicial para construir um olhar à altura das personagens é qualquer coisa de mais denso e mais complexo do que a nostalgia, que deixa um travo grave a amargo em The Bling Ring. Os diálogos, mesmo que pareçam caricaturais, assegura Sofia, foram retirados das investigações. O olhar para a sociedade americana podia pertencer a um filme de Todd Solondz — o que nunca se pensou que um dia iria caber no mundo de Sofia.
 
 
 
 
 
 
 
 

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