Contos assim-assim: Indeciso

Um Domingo que parecia domingo. Um café e um sorriso irresistível. Uma dúvida

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Joana Maltez

Domingo à tarde. O mundo parou. Pelo menos, o de António. No café do Chicletes, havia três mesas ocupadas. Na televisão, um jogo de futebol do campeonato italiano parecia interessante, mas quase tudo o parece, quando não há nada para fazer. O Chicletes seguia o jogo com atenção. Era especialista. Ou, então, tentava apenas combater o tédio. Apostemos na primeira hipótese. Por ele, que ficaria contente, se soubesse que faremos essa asserção.

Catarina entrou no café e ele nem reparou. Ela passou pelo balcão, pegou num jornal e sentou-se. Ao passar por António, houve uma troca de olhares. Eram vizinhos e aquele tipo de interacção era comum. No elevador, a proximidade tornava tudo mais excitante. No café, parecia haver um mar entre eles: algo como o Mediterrâneo, onde a temperatura é convidativa.

Percebendo que Catarina não iria ser atendida tão cedo, António avisou o Chicletes. Este, atrapalhado, correu até à mesa e recebeu o pedido.

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João Nogueira Dias não escreve contos, escreve hipóteses. Curtas, por respeito aos leitores

Lá fora, havia uma chuva fraca, mas suficientemente aborrecida. António olhava para a rua e tudo se parecia demasiado com um Domingo à tarde. Há Domingos que transportam pedaços de Sábado. Aquele só tinha nacos de domingo, mas daqueles nacos intragáveis.

Quando o Chicletes passou com um café e um copo de água, para a mesa de Catarina, António olhou-a, de novo. Sorriu. Ela também. Pareciam estar a ficar cada vez mais vizinhos. Estavam a transformar o café num elevador, a caminho do 100.º andar.

Vinte minutos de domingo deram a António a sensação de duas horas. Bocejou, levantou-se e pagou a conta. Saiu e deu “boa tarde” a Catarina. Ela sorriu, uma última e encantadora vez. António sentiu uma espécie de arrepio. "É hoje", pensou. Depois pensou que talvez não fosse.

No preciso momento em que saiu, já não chovia, o que, a juntar ao sorriso que acabara de ver, deixou António bem disposto. Caminhou lentamente até ao seu prédio. Eram cinco minutos de percurso. Foi pensando em Catarina. “É minha vizinha, eu vivo sozinho, ela também, está aqui um bom contexto”, pensou. “Devia falar com ela. Vou falar com ela.”

Parou, a meio do caminho. Voltaria para trás ou ia para casa?

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