Novo programa de Matemática só se justifica se houver problemas legais com as metas, diz SPM

MEC admite que subsistem algumas dificuldades na articulação entre as novas metas e o programa ainda em vigor, que será substituído no próximo ano lectivo

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Presidente da SPM alega que novo programa vai criar uma "agitação completamente desnecessária" Nelson Garrido

O presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), Miguel Abreu, afirmou nesta quarta-feira que só compreende “a revogação do programa de Matemática para o ensino básico e a sua substituição por outro, “nesta altura, se tiver sido detectada alguma impossibilidade legal de aplicar as metas curriculares no próximo ano lectivo”.

Miguel Abreu reagiu, assim, ao despacho de Nuno Crato, que ontem surpreendeu todas as organizações de professores ao revogar o programa homologado em 2007 e que só este ano foi generalizado a todos os alunos do 9º ano. Aquele que o vai substituir — e que será aplicado de forma gradual já a partir do próximo ano lectivo — será colocado em consulta pública na próxima semana, adiantou o Ministério da Educação e Ciência. Segundo o MEC, o novo programa “complementa as metas curriculares de forma a criar um documento orientador único”.

Em declarações ao PÚBLICO, Miguel Abreu disse ter tido conhecimento de que a Associação dos Professores de Matemática (APM) prometera, em Março, interpor uma providência cautelar para travar a aplicação das metas curriculares da disciplina que, no próximo ano lectivo, será obrigatória para os alunos do 1.º, 3.º, 5.º e 7.º anos. Alega a APM que as metas — em que são destacados os conhecimentos e capacidades essenciais que os alunos devem ter adquirido — contrariam o programa que está em vigor nas escolas.“Terá sido esse o problema? Não sei. Não vejo o que é que pode justificar uma medida que vai causar nas escolas uma agitação completamente desnecessária”, disse Miguel Abreu. Na sua perspectiva, “a conciliação do programa com as metas obrigava apenas a alguns ajustes”, “nada”, sublinhou, “que não pudesse ser feito pelos professores em sala de aula”.

No despacho, o MEC refere, precisamente, que “apesar de os conteúdos das Metas e do Programa não serem absolutamente coincidentes apenas em aspectos muito particulares, verificou-se pela experiência deste ano lectivo que subsistem algumas dúvidas quanto à implementação conjunta destes dois documentos”.

Num momento em que o novo programa não é ainda conhecido, a polémica mantém-se centrada nas metas. A presidente da APM, Lurdes Figueiral, e o autor do programa que actualmente é leccionado nas escolas, João Pedro da Ponte, consideram que aquelas representam um retrocesso de décadas no ensino da disciplina. 

“O MEC recupera uma matemática muito abstracta e muito formalizada que não serve a escola e os alunos de hoje. Um exemplo: no primeiro ciclo retira-se a estatística para colocar a teoria dos conjuntos, que era ensinada nos anos 60 e 70, com crianças mais velhas e com maus resultados. Outro: o algoritmo da adição, ou ‘a conta em pé’, como dizem os miúdos, passa do 3º para o 1º ano, o que é perfeitamente desadequado — o aluno deve perceber o que é a adição, interiorizar a noção, antes de aprender o algoritmo”, aponta João da Ponte.

“É certo que a teoria dos conjuntos nem sequer se dava no primeiro ciclo. Mas se, forem ler o caderno de apoio às metas, os professores percebem que se está a falar de algo muito rudimentar, que as crianças já vêm aprendendo desde o jardim-de-infância”, contrapõe o presidente da SPM.

Os dois especialistas estão igualmente em desacordo em relação ao espaço de liberdade e autonomia concedido aos professores. O presidente da SPM, como a equipa do MEC, alega que o programa homologado em 2007 “é excessivamente dirigista” no que respeita às metodologias a usar pelos professores, quando, por exemplo, “indica que devem ser usados exemplos da vida quotidiana dos alunos para explicar os conceitos. “Dirigista?! O que dizer dos cadernos de apoio às metas que até indicam o que os professores devem dizer a cada momento?”, contrapõe João da Ponte.

Há outros pontos de desacordo. A direcção da APM rejeita que seja verdade que, como se lê no despacho de Nuno Crato, a implementação das metas curriculares tenha obtido “resultados muito positivos nas escolas e nas turmas” que avançaram antes de ela ser obrigatória. “Não sei por onde andam as equipas do ministro: nas escolas onde vamos as metas ou não estão a ser aplicadas ou estão a causar uma enorme confusão e estupefacção, por representarem o retrocesso ao ensino dos anos 70”, disse Elsa Barbosa, ex-presidente da APM e especialista em Educação Matemática.

Miguel Abreu afirma que, “como sempre, as alterações são mais bem recebidas por uns”, mas desvaloriza a questão, afirmando que “o importante era o MEC já estar no terreno com acções de formação para professores que permitissem, precisamente, ultrapassar todas as dificuldades e fazer os ajustes necessários entre metas e programa”.

Filipe Oliveira, um dos autores das metas que, à semelhança do próprio Nuno Crato, foi dirigente da SPM, assegura que o novo programa resulta de “pequenos ajustes” ao que está ainda em vigor nas escolas. Em resposta dada por escrito a perguntas do PÚBLICO, especifica que “os conteúdos são exactamente os elencados nos descritores das metas curriculares” e que estes, “com escassas excepções, são os conteúdos do Programa de 2007”, mas “sequencializados e estruturados de forma coerente e rigorosa”. “Apesar de as metas curriculares serem totalmente compatíveis com o Programa de 2007, começaram a aparecer no terreno algumas dúvidas relativas à sua implementação  conjunta, que se vêm agora resolver”, justifica, adiantando que serão retiradas “ as indicações metodológicas” que, na sua perspectiva, “eram demasiado restritivas da acção dos professores”. 

Notícia actualizada às 21h46 Acrescenta reacção de Filipe Oliveira

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