Carpem-me esse diem

Nós, Geração Y, estamos dispostos a mobilizar cromossomas de encontro à única fonte de mudança que ainda nos deixam governar: o monstro nas nossas cabeças

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Dinuka Liyanawatte/Reuters

Somos uma geração com nome de cromossoma. Às vezes chamam-nos "Millenials", outras vezes Geração Y, não sei, todos me parecem nomes demasiado adornados para a decrepitude em que estamos. Somos sim a geração qualificada, flexível e faz-tudo, malabarista dos "gadgets", a geração que estudou e lutou pelo lugar ao sol, mas que chegou à idade de agarrar a vida pelos colarinhos e só encontrou sombra.

Há quem diga que esta geração vai ficar para tia, qual solteirona chegada aos "entas" que leva com "bouquets" na cara, mas noivo nem vê-lo. No entanto, sou da opinião que esta geração tem um mérito extraordinário: a vontade de combater a neurose. Tem vindo a aperceber-se de que uma das medidas de combate à crise é evitar abusar da palavra "crise", que já fede de tão bafienta. Recuso-me a contribuir para o monpólio deste vocábulo nos "clippings" nacionais, por isso vou substituí-lo por "vadia".

Deixámos que os políticos e os meios de comunicação fossem longe demais. Demos demasiada confiança à desconfiança e esta vadia deixou de ser uma conjuntura para ser um estado espírito, sintomático e manipulador. É tão presente que chega a ser física, dói-nos no sítio onde tomamos as decisões e fala a língua do medo, da desconfiança e do torpor. Rouba-nos o oxigénio que outrora nos levava a fazer planos impulsivos a cinco, dez, 30 anos de distância, com alpendres bonitos e descendência abundante.

Mas a vadia dá-nos ousadia. Quando se tem pouco é-se criativo a fazer mais com menos. Sinto que, aos poucos, e de forma discreta, temos sido capazes de reinventar estilos de vida sem que a vadia estivesse presente em cada vez que escolhemos "low-cost" em vez de normal, atum em vez de marisco. Nós, Geração Y, estamos dispostos a mobilizar cromossomas de encontro à única fonte de mudança que ainda nos deixam governar: o monstro nas nossas cabeças.

Não vamos ficar para tia

Sinto que estamos melhores a decidir o que é importante. Mais do que nunca nos revemos em mensagens "carpe diemistas" e procuramos evasão em prazeres simples, seja em modo natureza, refeição caseira, corrida à beira-mar, convívio em família. Precisamos de dar tempo de antena aos outros sentidos: olfacto, tacto, audição e, acima de tudo, um merecido "reboot" à visão (arrisco dizer que muitos olhos já viciaram o reflexo de Pavlov ecrã = trabalho).

Sinto que estamos melhores a seleccionar informação. Reagimos à falta de tempo com a escolha minuciosa dos tópicos de interesse. O nosso Google Reader — paz à alma dele — é a nossa bíblia, a barra de Favoritos a nossa bússola digital. Não só estamos decididos a absorver informação em quantidades humanamente razoáveis, como queremos que ela realmente acrescente valor.

Em tempos difíceis, damos por nós em reuniões de trabalho, daquelas que sugam a alegria de viver, a ruminar sobre o sentido da vida: “Será que chega trabalhar para os meus chefes, e os meus chefes para os seus chefes, num ciclo fechado que só beneficia os seus e a própria empresa? Para depois entregar metade ao Estado?”

O contraciclo obriga a questionar. E a cravar mais fundo a pegada, porque o terreno é hostil. Posso estar enganada, ou porventura ter uma amostra não representativa da maioria, mas estou convencida de que os millenials de hoje querem ajudar o seu futuro-adulto a não se arrepender das coisas que não fez. Podemos ter de ser mais pacientes, penar ou emigrar, mas não vamos ficar para tia.

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