Conviver à volta de um moscatel no IV Encontro Livreiro

Realiza-se neste domingo, em Setúbal. Uma festa das gentes do livro numa livraria com dezenas de anos, a Culsete.

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O cartaz do encontro de Setúbal, nesta tarde Rabiscos Vieira

Para que serve um encontro livreiro? “Serve para que as pessoas do mundo do livro convivam. Essa foi a minha verdadeira ideia: materializar um encontro em que nos pudéssemos conhecer uns aos outros. E em festa”, responde Manuel Medeiros, o Livreiro Velho, como se autodenomina o açoriano de 77 anos que imaginou estes encontros e os agendou para o início da Primavera de cada ano. Em rigor, para o último domingo de Março, alterado este ano por coincidir com a Páscoa.

“A sociedade não avança sem ser por união. Por isso é tão importante a solidariedade. Este é um movimento que se baseia nas pessoas que acreditam no livro. Se conviverem, dialogarem e ficarem a conhecer-se, pode acontecer muita coisa”, diz ao PÚBLICO, por telefone, na véspera do IV Encontro Livreiro, marcado para este domingo, às 15h. “E haverá sítio mais agradável para nos encontrarmos do que uma livraria, depois de um almoço de peixe grelhado e saboreando juntos um moscatel de Setúbal?”, pergunta o autor do livro Papel a Mais (que assina como Resendes Ventura, em edição da Esfera do Caos).

A conversa com o PÚBLICO acontece enquanto está “sentado num cadeirão” do Hospital de São Bernardo e a viver “uma recuperação vagarosa”, descreve o livreiro que desde 1973 dirige e anima a livraria Culsete com Fátima Ribeiro de Medeiros.

Entre as muitas iniciativas que Manuel Medeiros espera que aconteçam a partir do movimento criado pelo encontro das “gentes do livro”, já algo se vai concretizando, como conta Luís Guerra (muitos anos Assírio & Alvim, hoje Documenta e Sistema Solar) e dinamizador do blogue Encontro Livreiro: “O I Encontro Livreiro de Trás-os-Montes e Alto Douro, a 24 de Março, aconteceu depois de o livreiro António Alves, da Traga-Mundos, de Vila Real, ter estado num dos encontros em Setúbal. É a este tipo de coisas que o Manuel se refere. Por isso gosta de chamar ‘movimento’ ao encontro.” Para dia 2 de Junho, já está marcado II Encontro Livreiro no Norte. Será em Macedo de Cavaleiros, na Poética – Livros, Artes e Eventos.

O IV Encontro Livreiro em Setúbal atribuirá mais uma vez o diploma Livreiros da Esperança, que este ano distingue Caroline Tyssen e Duarte Nuno Oliveira, da Livraria Galileu (Cascais, 40 anos de actividade). Na edição do ano passado, quando se atribuiu o primeiro diploma, foi premiado Jorge Figueira de Sousa, da Livraria Esperança (Funchal, Madeira).

“O que me parece é que o tradicional modo de ser da livraria como mercearia dos livros tem pouca viabilidade (…) Cada vez mais deverá ser apoiada a pequena ou média livraria, como centro de convívio, como ‘oficina de leitura’ ou como especialização documental”, escreveu Manuel Medeiros em Papel a Mais, 2009. E agora diz-nos: “Desde que estou neste mundo dos livros, já fecharam muitas livrarias. Tenho pena, mas não há formas eternas. O Einstein, que era um prodígio, morreu. De Nelson Mandela, só estamos à espera da notícia. Bocage dizia: ‘Rasga meus versos, crê na eternidade.’ Eu digo: ‘Se crêem na eternidade, rasguem meus versos.’ Só podemos esperar que seja eterno o movimento do universo. O resto muda. Temos de discutir, trocar ideias, procurar caminhos.”

Manuel Medeiros, que talvez só possa participar neste encontro via Skype (“a menos que haja um milagre”), gostava de “ter tido saúde para corresponder ao desígnio de Rui Beja para que os livreiros tivessem mais participação na Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL)”. Enaltece também o papel que Baptista Lopes (editora Âncora) e Hermínio Monteiro (Assírio & Alvim) tiveram na APEL no sentido de conhecer os problemas das livrarias independentes.

Mas o que o livreiro não quer mesmo é que os encontros se transformem em momentos de queixume. “Vamos lutar para vencer as queixas. Se temos mãos, não podemos estar à espera que Deus nos dê pão. E o Governo que vá passear e nos deixe trabalhar.”

A ideia de “movimento” agrada-lhe porque significa “desejar, mexer, atirar para cima”. Concretizando: “Somos muito pequenos. Mas, mesmo que tenhamos só um metro, podemos olhar para cima, para a montanha. E o nosso olhar atingirá mil metros. Se chegarmos lá, melhor. Se não, vamos até onde conseguirmos. Mas sempre com o máximo que pudermos dar”, diz-nos com a voz a fugir. A determinação não.

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