O regresso de Sócrates e os "spin doctors"

Sócrates terá ao seu redor um grupo de conselheiros – que o apoiou, apoia e apoiará na preparação dos seus comentários na RTP

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Rafael Marchante / Reuters

Foram já publicados quilómetros de palavras sobre o regresso de José Sócrates à vida política (in)activa como comentador, antes, durante e depois da entrevista que concedeu à RTP. Porém, para aqui é chamado este enquadramento: José Sócrates é um político inteligente, hábil, move-se como poucos nos intrincados meandros da contra-informação e gere com sabedoria a sua imagem pública. Esta frase podia ter sido escrita há oito anos e continuaria actual. Goste-se ou não do político, o ex-primeiro-ministro é incontornável na vida política nacional – lá está: pelos bons ou pelos maus motivos, conforme a sensibilidade ideológica. O regresso do seu exílio académico em Paris gerou uma gigantesca onda de agitação “net-social” e mais tarde dos comentadores de serviço, o que, por si só, confirma a veracidade da frase anterior.

Esqueçamos por momentos se houve, ou não, verdadeira vantagem para o serviço público de televisão (falou-se em guerra de audiências) na contratação a custo zero de Sócrates pela RTP, conluio maçónico (hipótese levantada), interesses para baralhar a opinião pública ou outras teorias da conspiração, mais ou menos esdrúxulas. Esqueçamos ainda que Portugal é um caso raro no lote dos países civilizados em que ex-governantes depressa são transformados em comentadores políticos, com honras de horário nobre na televisão. Essas são contas de outro rosário.

O que, de facto, Sócrates fará no tempo de antena de que vai dispor a partir do próximo domingo poucos saberão. E digo poucos, querendo significar “alguns”, ou seja, acredito que o ex-governante pôde desenhar a estratégia que vai agora levar à prática com os seus “spin doctors”. Sim, porque é pouco crível que mesmo alguém com o estofo de “animal político” consiga atingir sozinho este patamar. Aliás, acredito que seja precisamente por ser um “animal político” que Sócrates não pode estar só.

O “spinning” entrará, assim, com outra dinâmica na política nacional. Quer isto dizer que Sócrates terá ao seu redor um grupo de conselheiros – que o apoiou, apoia e apoiará na preparação dos seus comentários na RTP. Os “spin doctors” não são, necessariamente, assalariados a soldo do “patrão”, que trabalham sob anonimato para fazerem passar determinada mensagem, à semelhança dos especialistas em relações públicas e comunicação política como os conhecemos tradicionalmente. É pouco provável que “alguém” pegue no telefone e desate a bichanar contra-informação aos ouvidos dos jornalistas. O “spinning” tem formas bem mais sofisticadas de se tornar eficaz e pode vestir a pele de uma eminência parda da política que, apesar de conotado com determinada corrente ideológica, paira acima das suspeitas.

O óbvio é inimigo da eficácia, pelo que a primeira intervenção do comentador Sócrates gera alguma expectativa, não tanto pela previsível continuação do ajuste de contas com os seus inimigos de estimação (iniciado na referida entrevista à RTP), mas antes pelas cascas de banana que poderá vir a lançar aos noticiários televisivos. Se a exortação dominical de Marcelo Rebelo de Sousa gera largos minutos de televisão e de rádio e uns quantos milhares de caracteres nos jornais, é verosímil que Sócrates entre também nessa guerra de números. Marques Mendes já entrou há algum tempo.

Os ex-políticos-agora-comentadores foram elevados à categoria de senadores da opinião pública e publicada. A sua “narrativa” é colocada na prateleira da opinião excelsa e com pouca propensão a ser “contraditada”, no caso, por quem entrevista na televisão. Neste sentido, os jornais continuam muito mais democráticos, pois ao lado pode estar uma tese inversa, isto é, o contraditório é feito “no momento”.

Serão os ex-políticos-agora-comentadores “spin doctors” de segunda geração? Acredito que sim, porque, por detrás de um ralhete que se dá hoje ao político “A”, ao ministro “B” ou ao Governo (tenha ele a cor que tenha), há a intenção de passar, de forma subliminar, uma determinada mensagem. Por isso, e como quem mais desconfia, menos se arrepende, o melhor é olhar de lado para os prestidigitadores do comentário político.

Mário Barros, assessor de comunicação (JPAB – José Pedro Aguiar-Branco & Associados)

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