São Paulo: uma selva urbana

Crónica de uma cidade que cativa e repulsa, como se fossemos sempre visitas em nossa própria casa

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Paulo Whitaker / Reuters

A megalópolis São Paulo não é uma cidade imediata, evidente e de amores fáceis. Ao contrário da sua vizinha e "rival" Cidade Maravilhosa, não existe uma praia mágica, florestas luxuriantes e morros divinos. Não há o cortar de respiração que o fim do dia proporciona num devaneio pincelado de laranja no Arpoador, nem a magnitude que nos colhe a respiração do alto do Corcovado. Pelo contrário, cativa e repulsa como se fossemos sempre visitas em nossa própria casa.

O que mais me impressionou foi o tamanho, a dimensão de tudo e do nada. Estimam-se em 500 mil o número de "moto-boys" (pessoas que fazem entregas) na grande SP, as rendas chegam a 5 mil reais (2 mil €) por um T1 quando o rendimento médio não chega a 1000 e 3 horas de viagem diária casa-trabalho é um tempo aceitável. Esta é a medida de uma cidade com 10 milhões de cidadãos, uma metrópole com 20 e um Estado com 40 milhões. Carros são sujeitos a "rodízio" (há um dia na semana em que não podem circular). À vista imediata e irreflectida somos tolhidos pela imensidão de pessoas, tráfego constante e poluição acima do razoável, sendo necessário desbravar caminho para admirar o São Paulo intangível e magistral, que foge a quem, em ritmo apressado, passa com o olhar mas não vê.

Esta dicotomia social, que se baseia num crescimento assimétrico (social, económico e urbano) e um sentimento da busca do eldorado pelos brasileiros do "interior" e estrangeiros, está umbilicalmente ligada à sua magia. É na simbiose de ritmos, sabores, cheiros e culturas que São Paulo se cria enquanto metrópole do Mundo e para o Mundo: da Rua Augusta ao Itaim Bibi, da Avenida Paulista à Japatown, do Morumbi ao Ibirapuera, dos subúrbios sem fim à Óscar Freire.

Sofisticação e pé descalço

A imensidão de espaços culturais e desportivos por onde desfilam estrelas e promessas em ascensão de todos os gostos e estilos não tem paralelo: semanas de moda, concertos de jazz e rock e pop, musicais da Broadway, teatro, corridas de F1 e Indy, ténis de alto nível e, claro, futebol o ano todo. Tudo isto regado e alimentado por estruturas museológicas e gastronómicas que resvalam entre a sofisticação e o requinte de chefes franceses, italianos e japoneses e da arte ocidental contemporânea, até ao boteco de pé descalço com delícias mineiras e baianas.

É nesta confluência de estilos, culturas e modos de vida que descobrimos diariamente surpresas, recantos e encantos que tornam São Paulo um mundo em miniatura, com pobreza e riqueza exacerbadas, com exageros, virtudes e defeitos...Tal como na junção dos rios na Amazónia, também aqui culturas e modos de vida andam em paralelo, dando as mãos mas não se misturando mais do que o necessário para salpicar de amor e paixão todos quantos ousam aqui viver.

Não, São Paulo não é uma paixão fulminante, que nos faz palpitar o coração e sentir um nó no estômago. São Paulo é um amor de longo prazo, uma maratona de sentimentos que culmina no amor eterno e profundo que só uma cidade desta diversidade e descoberta constante consegue proporcionar.

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